segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Avalanche



Um silêncio atroz, a luminosidade espalhada por tudo ofusca! Um restinho de azul no céu para contrastar e me lembrar que em algum lugar estou. Ando com cautela, para não perturbar o que é uniforme e enfadonho mas que, sob a superfície esconde uma instabilidade tal que me faz tremer. Sou realmente o único ponto movente sobre a constância. A mesmice sem diferenças, segura e iluminada...

Tento me mimetizar mas já não posso mais. A angústia vinda não sei de onde, espreme minhas glândulas lacrimais. Não consigo evitar. Rola pelo meu rosto... pescoço... percorrem meu corpo que chora de saudades.

É a gota d'água! Craquela o branco do gelo, espalha-se pela superfície gelada que enfim aquece, respira e se solta... Rola... Engole-me... Ganho o movimento interno e me deixo levar. Sinto-me aquecida e envolta por um aconchego que só com vc conheci. Devagarinho, cautelosa, abro meus olhos e encontro os teus. Neles vejo meu reflexo com um sorriso tímido.

A avalanche continua...
mas enfim estou em casa.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Lado a lado

Te encontrei em algum lugar do velho leste e te perdi em algum lugar da estrada. Não sei onde foi, nem quando, nem vi ou ouvi. Quando enfim nos cruzamos, percebi que o beijo prometido escapara. Sem avisar. Sem querer.

Mas por vezes,
no meio do meu caminho,
teu cheiro me pega no ar.

Por onde anda?
Ainda existe?
Nossos caminhos, lado a lado
e por que não chega?

Em que ponte se encontra...

terça-feira, 21 de setembro de 2010

?!?!?!?!?!?!?!?!

Qual o limite da experiência?
Onde está a transição entre a natureza e a construção racional e moral?
O que nos freia?
Sentimento? Razão? Entendimento?

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Chiaroscuro


Meu corpo dói. Fragmentado, as feridas ativas reclamam. Acordo e me perturbam. Com o passar do dia já nem sei mais o que incomoda. Quero que ele passe rápido, encontro muitas coisas para fazer para tentar mascarar. Não vejo as cores do céu, nem a brisa geladinha sob o sol. Embotada.

Nem sei mais o que se passa. Nada mais me emociona.

Ando pelas ruas, observando meus passos. Trombo com a extensão de um par de tênis, à seguir com outra de salto fino, a de salto grosso resmunga... Não me dou conta. Não me interessam extensões.

Funciono: trabalho, ouço, respondo, assisto, faço, pago.

O corpo, esquisito, pára. Cansa!

Vem, de mansinho, a melodia que se repete. Expelida não sei de onde. Volta aos tímpanos, adentra o sistema nervoso central e suscita imagens que se apoderam de todo o campo visual... Percebo o raio de sol que passa pelas frestas da persiana do meu quarto e com ele os fragmentos do seu corpo. Os cachos se espalham sobre meu rosto, o olhar doce e atento a cada história penetram na papila, as mãos de moldura assimétrica fazem-me arrepiar a cada carícia. Lábios rosados que sempre inspiram o cuidado dos meus... hidrato... massageio... retoco.

A pintura é delicada. Chiaroscuro. Tua luz toca delicadamente minha sombra no contorno da melodia. Assim prosseguimos na repetição cada vez mais sublime, emoldurada por um afeto que aumenta a cada dia, tornando-se quase insuportável!

O corpo queima, grita mudo, abafa e, sem alternativa, aguarda...

domingo, 19 de setembro de 2010

Relação quadrada

Talvez os relacionamentos tenham forma. Forma quadrada, circular, obtuso-triangular, ausente... Uma mesma pessoa se relaciona com um amigo na forma quadrada, com outro na forma circular, com um amante na forma obtuso-triangular, e com outro na forma ausente. Independente do significado de cada forma. Posso nomear e definir a "forma" de n modos: geométrico, por sensações, linguagem, até por termos logicamente incompreensíveis para o ocidente ou oriente. Não é esse o ponto. A forma a que me refiro seria uma estrutura formal, uma dinâmica que desenha uma rede estrutural previsível e intransponível. Não importa que os sujeitos envolvidos mudem, a estrutura do relacionamento se mantém a mesma! Não importa que o afeto se modifique, a forma permanece. A gente sabe que o outro mudou, a gente sabe que precisa tratá-lo de modo coerente com a mudança percebida, mas... os atos continuam obedecendo a estrutura formal!!!

Assim, o relacionamento com amigos de infância é o mesmo. Passam-se anos e parece que nada mudamos qdo voltamos a encontrá-los. Agimos como o previsto, e é como se estivéssemos vestidos do modo que a forma do relacionamento pede, e qdo nos damos conta, aquilo parece até uma camisa de força que não obedece à nossa vontade.

O mesmo com o cônjuge ou namorado ou amante. Casamos, descasamos, amamos, deixamos de amar... a forma permanece a mesma. Marido é marido, esposa é esposa, namorado é namorado, amante é amante.

O conteúdo (as pessoas no relacionamento determinado) pode mudar o que for: a estrutura formal (o relacionamento) incrivelmente se mantém!!!!!

Qual a saída?

Martelar. Quebrar. Desconstruir a estrutura formal de tudo que nos perturba, que nos faz sentir numa camisa de força. Pouco a pouco, revisitar as pessoas que nelas habitavam.
À qualquer sensação de sufocamento, prestar atenção se realmente conseguiu esfacelar aquela forma inadequada, ou se caiu na tentação de vestir a camisa de força para se abrigar do frio. Este frio realmente incomoda. O frio da ausência de abrigo, do vento que vem de tudo que é lado, sem anteparo, do vão... da liberdade.

Por outro lado... Só assim talvez seja possível estruturar-nos. Os pilares precisam estar na estrutura do nosso ser. A forma interna aos sujeitos da relação; e não como molde a ser preenchido pelos constituintes.

sábado, 18 de setembro de 2010

Sala de aula ectópica

Estou em casa à sua espera. São 20:00 e o interfone toca. Bom, pessoal, vou descer. “Cuidado...”. “É no mínimo esquisito sair à noite com o professor.” “Tudo bem, temos que confiar!”. Deixo as vozes desconfiadas longe ao fechar a porta. Você, elegante, espera-me no Hall de entrada e me conduz ao seu carro. Abre a porta para mim, abaixa o vidro uma polegada e encosta a porta com gentileza. Não posso mostrar como fiquei derretida. Tento agir como se tivesse sido natural!

Começamos aquele jogo de palavras, não posso mostrar fascínio nem admiração. O prenúncio da escadaria... Que cara fofo! Que delicadeza... Mas, as palavras ecoam no cerebelo “Cuidado!”...

Paramos na casa de chá. Pertinho, ufa! “Cortou os cabelos! Que pena...” Será que ouvi direito? Então reparava e gostava dos meus cabelos compridos? “Cuidado...” Pode deixar, não ouvi direito. Sentamos no chão, um ao lado do outro e com o corpo frente a frente. Distância suficiente.
Chá de jasmim e flor de lótus. Risos tímidos (e não é que o cara é tímido? É proibido encontrar qualquer item a mais do anúncio de jornal! Ah sim, é por causa do aparelho nos dentes. Agora ta tudo bem.). E falamos muito. Faço cara de quem está entendendo tudo. Não posso deixar meu disfarce cair: comportamento profissional e assexuado. Mostrar competência para mim é fácil.

Que vontade de chegar mais pertinho... Esse rosto... Sinto até sua barba macia no meu rosto, escuto a voz sussurrada no meu ouvido e um calor aconchegante. “Cuidado..”. Como? Ah! É isso aí, melhor não sair deste lugar.

Acaba o chá. Está tarde, hora da Cinderela. Pena. Pena que moro tão pertinho.
Estaciona o carro.

Preciso sentir o seu cheiro. “Cuidado!” O ritmo cardíaco acelerado chega aos meus ouvidos “cuidado!”... “Cuidado!”... “cuid..” “cuid”...TUM... TUM. E a pulsação invade todo o meu corpo. Aproximo meu rosto do seu, que cheiro bom! Muito perto... Roço minha face na sua barba e minha boca encontra a sua. Já não tenho mais controle sobre meu corpo. Toco de leve sua língua úmida e não consigo mais removê-la. Imediatamente o calor úmido desce, como uma descarga elétrica e preciso de mais contato físico. Subo no seu colo e sinto seu volume onde necessito. Os movimentos assumem o ritmo acelerado da pulsação sob ação da adrenalina. Minhas mãos procuram atingir toda a extensão do seu corpo: afago seus cabelos, seus ombros, procuro a borda da camisa e encontro sua pele. Subo aos mamilos e inicio movimentos delicados, circulares, com a pontinha dos dedos. Escuto um gemido que me deixa alucinada. Minha mão direita procura então uma região mais interessante, quente e volumosa, e vc facilita ao liberá-lo. Libero meus instintos e inicio carícias que provocam sussurros contidos. Sinto então sua mão procurando uma brecha na minha roupa para atingir meu corpo em brasa. Aí mesmo. Carinho no lugarzinho certo. Assim... Mais... Mais um pouquinho... Louca por mais, direciono-te a me tocar mais fundo e a sintonia e a sinfonia se completam!
Escuto aquele zumbido no ouvido, vejo tudo escuro e solto todo o peso do meu corpo nos seus braços...

Cai o mundo sobre meus ombros e preciso voltar para casa. Já no elevador, fico torcendo para que todos estejam dormindo. Abro a porta da sala com “cuidado” e conto com meus fiéis bastonetes para delimitar o caminho ao meu quarto. Deitada, repouso-me leve, muito leve sobre a cama.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Receita de bolo IV - prometo que é a última

Coração de Gelatina:

Pegue o medo da solidão
forre o fundo da forma
amarre a ponta de um barbante de 2m
preencha com o "anúncio de jornal" até transbordar
amarre a ponta que restou num balão cheio de gás nobre
deixe tomar forma

(torça para que o gás não seja o Helio)

se o balão voar, tá pronto
se não voar... sorte sua!

OBS: "anúncio de jornal": moreno alto, bonito e sensual, carinhoso, bom nível social...

Abaixo a ditadura!

Abaixo a ditadura
dos chavões, dos preconceitos, dos estereótipos, dos moldes
Aonde está o homem sensível (que sente, do meu o corpo, todos os toques e geme e arranha e morde)
Aonde está o homem afetuoso (que me afeta com seu corpo rijo e então eu o beijo e arranho e chuto)
Aonde está o homem querido (por todos os meus poros, por toda pele e mucosas, pelo nariz)
Aonde está o homem ferido, de menino, de superação, de conformes e alto escalão, do (eu te) desejo
Assim escapa a seu destino
Como viver essa paixão
Como não a ter vivido
Assim escaparia a meu destino:
Penélope, de Ulysses (s)

Acabou

"Mudaram as estações
e nada mudou
mas eu sei que alguma coisa aconteceu
tá tudo assim tão diferente
Lembra quando a gente
chegou um dia a acreditar
que tudo era pra sempre
sem saber que o pra sempre,
sempre acaba..."
Renato Russo



Tudo que começa tem fim. A questão é se convencer de que acabou. E qdo acaba, não necessariamente quer se desmerecer o que passou. As coisas simplesmente chegam ao fim, e não nos tempos simultâneos. Talvez até no mesmo tempo, mas convencer-se de que realmente acabou é que não é coincidente. Será que é possível construir ou manter o afeto? Como acreditar que uma coisa que nos arrebata pode ser tão efêmera? Talvez possa. E o nosso "pecado" é tentar mantê-lo com todas as defesas e armas - principalmente o suposto esforço para o outro tbém manter o afeto - não rola!!!!!

Eu me lembro da imagem de Jung do cavaleiro. Qdo estamos montados de costas para o nosso inconsciente, vem a estranheza. Talvez o gde desafio seja entender estes momentos de estranheza, de onde eles vêm. E acho q eles nos avisam qdo terminou.

Outro ponto nevrálgico! As malditas expectativas. Se a expectativa for pretenciosa a realização sempre será migalha e aí dá a sensação de que nem chegou a começar, o vazio é monstruoso. Entretanto, ao nos entregarmos completamente, este pequeno, se despretencioso, se faz absoluto e por isso grandioso. Por vezes, não passa de uma noite. Mas que vale uma encarnação!

A grande arte, talvez... não girar a engrenagem em falso. Nossa! De novo caímos no problema da receita de bolo!
Ai... não aguento mais!

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Receita de bolo III



No entendimento, há um saber que se passa além do conhecimento. O conhecimento exposto trata da receita escrita com seus ingredientes, modo de preparo e tal... Ou a receita para ser feliz, ou para consertar um coração partido, ou de como fazer uma cerveja.

Porém, o entendimento vai além. Como se, de algum modo, você se abrisse para acolher todas as outras faces veladas. Todos os sabores que acompanham o conhecimento: a memória, a semelhança, a dessemelhança, os sonhos, os desejos, sensações atemporais e atópicas que convergem no instante do entendimento.

E por incrível que pareça, esta abertura só pode ser possível quando o afeto se desperta. Este sim, inerente a qualquer um, inespecífico e próprio, involuntário ou voluntário, fortúito ou perseguido.

Para isso, não há receita.
E basta.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Pena-preconceito

Por vezes o preconceito é sutil. Passa velado, reprimido, assustado.

Para Rousseau, o homem é dotado de um "amor de si", como um instinto de sobrevivência que não o deixa sucumbir frente à qualquer ameaça à vida. Ao se relacionar com o outro, um outro instinto surge: a pitié, ou a piedade. Este, ao ver o outro sofrer, faz o homem se identificar com o que sofre, entende o sofrimento, e quer ajudar - como um instinto de preservação da própria espécie que não deixa o semelhante sucumbir frente à qualquer ameaça à vida.
Entretanto... a pitié apresenta seu avesso: ao mesmo tempo que se identifica ao outro, sente-se um alívio ENORME por não ser o outro. Preserva a individualidade.

Pois bem, no preconceito, há um alívio ENORME por não ser o outro. Mais que isso, evita-se a qualquer preço, quase que sente a própria vida ameaçada.
Entretanto... o preconceito apresenta seu avesso: ao mesmo tempo que fica aliviado pela distância com o outro, se este outro é seu semelhante (alguém da família, algum amigo próximo, etc) sente-se uma pena ENORME na identificação com ele.

Talvez o avesso do preconceito seja a pena.

Experimente. Não tem preconceito? Então imagine se fosse com seu filho...

Receita de bolo II

Médico é doido para seguir receita de bolo. Principalmente para aquelas doenças de diagnóstico e tratamento incerto. Portanto, procura se estabelecer critérios diagnósticos minor, medium, major - como se fossem todos os sinais, sintomas e exames laboratoriais que os doentes apresentam, classificados de acordo com sua frequência nos quadros graves. Como o diagnóstico é multifatorial, o tratamento ídem.

Assim, há os famosos guidelines (receita de bolo):
Diagnóstico: 1 critério major e 3 medium, 2 medium e 3 minor, ou ainda 2 major
Tratamento: droga x associada à y por 1 mês. Se o resultado não for satisfatório, acrescenta-se a droga z.
Follow-up, controla-se com exames séricos que verificam a função renal, hepática, RX de tórax e hemograma. À qualquer alteração, suspender a droga x e acrescentar a z.
O critério de melhora? Cruzes! Se a dor era de 4 cruzes em 4, considera-se melhora se passa a 3 cruzes em 4 ou menos.

Agora sim! Fica fáaaaacil! O paciente melhora de 4 cruzes para 3: ueba! Sou foda! Fiz o diagnóstico e estou obtendo resultados! Aí... no segundo mês, volta para 4 cruzes: ué? Como? O protocolo resultou de todo uma metanálise dos trabalhos prospectivos randomizados duplo-cego (medicina baseada em evidências. Eita nome cartesiano!)! Isso quando se resolve parar para pensar um pouquinho... Se não, volta-se para a receita de bolo e se associa a droga z...

Será que ainda estamos no século XVII? Trabalha-se em cima de uma representação, que é a doença. Será que todos os indivíduos manifestam a doença do mesmo modo? Ou, todos sentem a mesma dor? O corpo saudável, incansável, NUNCA apresenta um desvio esporádico? Ou, o coração nunca apresenta uma extrassístole? E o doente? Quanto de variabilidade pode ser considerada "normal"? Os estudos descolam as alterações das particularidades do indivíduo. As doenças, seus diagnósticos e tratamentos, são construídas racionalmente e estatisticamente, pelo médico.

Falta liga. Falta reposicionar o pensamento no doente, talvez. Falta coragem para assumir a responsabilidade pela cura ou não. Pensar passo a passo. Critério por critério. E não se esconder sob os protocolos.
Se o bolo desandou, a responsabilidade é sua por ter escolhido as ferramentas inadequadas, desde a própria receita até à última cerejinha que resolveu colocar no centro.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Ao léu

Este é o nosso ser em potência. Eu, vc, as tantas afinidades de corpo e de alma, o acaso convergente que nos aproximou... Uma obra de arte!

Por vezes escultural e palpável, formas precisas, de textura definida, macia, rugosa, quente, gélida...
Por vezes repleta de cores, traços ora lineares ora difusos, borrões, respingos...
Por vezes sonora, harmoniosa, um rock progressivo, erudita, valsa, jazz, som estranho como um Tom Waits ou um Stravinski

E tenho vontade de conservar, intacta, esta arte em potência. Num cofre, no vácuo, imune ao tempo e espaço.
A saudade abre a porta e revisito-a. Admiro. Respiro o aroma. Emociono-me frente ao resplendor da harmonia.
O tempo me chama, e cuidadosamente a reposiciono em segurança.

Vivo minha vida. Preencho as lacunas e volto a formá-las - ainda bem!
Sei que vive a sua também, do melhor modo possível.

Desconstruímos reconstruímos,
experimentamos,
conhecemos, nos desconhecemos...

Mas, de algum modo, a obra de arte conserva sua força. Por vezes esqueço a porta aberta, e ela só se fortalece. Independente do meu ou do seu tempo e espaço, ela insiste em se fortalecer, alheia ao nosso olhar.

Um dia, de mãos dadas, esta arte nos arrebata...
Alheia ao tempo
no nosso espaço.