domingo, 31 de janeiro de 2010

Rede

Alimento-me do desejo alheio
Prossigo na rede
no meu labirinto
Flúida, úmida, avanço
com a força de uma enxurrada

Capto a fome
dela me alimento
Abocanho...
Lambuzo
Engulo

Torna-se-me passagem
e prosseguimos
descolados da alma

sábado, 30 de janeiro de 2010

Teu sangue

Teu sangue evaporou do ringue, subiu feito bruma; peso pluma, ele voou. Resto de pensamento desfeito, fico a escutar você socando no peito, muito depois da tua partida. Tua voz ainda fantasia e se despe, sem saliva, sem língua, sem sal. Nós desatados, os dois sentados, luvas lentas escapadas, fios enlutados, 30 jardas a parte. Olho pro emborrachado, lutaremos até que finde o dia, até que afinem os ossos, últimos dentes.

Kombat

combate de bananas
no ringue 2 sacanas
um mole, o outro coxo
pra cada um, olho roxo
mosca volante
vislumbrou

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Vício

1 - RESSACA

o corpo leve
acolchoado patchwork
de imagens frias e quentes
amorfa, desconexa


2- LEMBRANÇA

as marcas no corpo
inevitável classificação
de gestos e expressões
na escala do prazer


3 - SAUDADE

as marcas na alma
classificação acolchoada
pelo desejo
a turvilinea entre
sonho e vigília


4 - FOME

força eletromagnética
do rombo no baixo ventre,
buraco negro em potencial
uma dor física

5 - TERAPÊUTICA

tarefas diárias
um dia de cada vez...

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Tênis de primeira

"Do you know when to walk away?
Do you know when not to take less than you deserve,
if you do, then you´re an honorable man"

Ano passado fui ao paraíso do consumo e, como todos, comprei um tênis MARAVILHOSO! Para pés neutro-supinadores, sistema de amarração bacana, amortecimento adequado na entressola, farol de milha, freio ABS, air bag duplo, roda de liga l... Além de tudo brilhante! Ocupou um lugar considerável na bagagem de mão - vai que minha mala extravia! - mas valeu a pena.

O cuidado com meu tênis novo era tanto que não tinha coragem de usá-lo: não queria instigar a cobiça alheia - com certeza o levariam de mim. Corria então com o tênis velho, cadarço desfiado, sujo de terra... esse, nem eu queria!

Até que, num surto psicótico rousseauniano, encarei o mundo como o da igualdade humana pré-social (sem inveja nem cobiça), e saí com meu tênis novo! Nunca corri tão bem, voava no parque.

Com o espanto, o encanto...

Pelo medo da perda, nos submetemos a cada coisa...Tênis velho, relacionamento apagado, trabalho chato, vida sem sentido.
Será que esta vida de segunda classe resulta do medo de perder o que se tem?
.......Ou da preguiça de encarar o risco inerente ao prazer - não ser capaz de sustentá-lo?
..............Qual seria o risco de não ser capaz de sustentar o prazer?

Não dá para saber... No máximo, voltar para onde se está (no tênis velho, na vida de segunda).

Esta volta toda para perceber o medo ou preguiça de cair na desgraça de... continuar na mesma!

Aí fica fácil, só tem uma solução: viver de primeira classe
............e correr com um power tênis!

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Tosca... tosca... tosca

Sometimes I think that you don't exist
But sometimes I think that you're my sin
Some say that I'm fool
But poor my soul without you
Somehow I feel that you're my home
How sould I, if Ican't feel your heart
Somewhere we'll meet again
Where, if we don't find the way
Sometimes I want to runaway with you
But I'm afraid I can ruin all over again
Sometimes I want to forget you
But how, if you're in my soul
Sometimes I think that I've always been looking for you
But sometimes I think that you're nothing more than poetry
So I feel you
.....I touch you
.....I hate you
.....I love you

... nothing more than sometimes

sábado, 23 de janeiro de 2010

Ressaca

Resseca mucosas
Disseca veias
Decepa a alma,
e septa a memória
recente

Monto tua boca no corpo dos cachos do sorriso de braços que apertam meu corpo que insiste em te procurar...

... e passa

Teu gosto?
Passou.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Enigma

"Amar é dar o que não se tem a alguém que não o quer" Lacan


Não preciso de um provedor
Tampouco de um pai para meus filhos
Professor? Para quê?
Não me interessa o caráter utilitário que me possa oferecer
... ou o prazer calculado

Quero, isso sim, o que não tem e procura
o que ainda não é
o que não está

Quero o que vela e nem sabe
que revela uma fresta,
um fio no meio do novelo embaraçado
Que reluz e me fascina,
domina e contamina...

E te ofereço o que não tenho,
a minha fome insaciável
de ti

Assim nos achamos
margeados e acalentados
no caos das incertezas

O que nem é
Quiçá o porvir


Será que cheguei perto?

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Sinal fechado


Encostada à faixa de pedestres, cantava alto Cartola - para desopilar o fígado depois de tantas provocações que a vida insiste em oferecer. Para testar nossa capacidade de auto-controle, respirar fuuuundo, e pensar que tudo poderia ser bem pior. É a "Catharsis" Aristotélica: expurgar as paixões até não poder mais, para depois reduzi-las à justa medida.
Mas por vezes, vale a pena esquecer um pouco a dor, e prestar atenção para o que está ao redor... Foi quando vi na extremidade da outra calçada, uma garotinha de vestido vermelho de mãos dadas com o pai. Na outra mãozinha, uma sacolinha branca. Cabelos cacheados ao vento, e um
s...............................o .........l..i..n..d..o..!!!
....o........................s
......,..r..............i
.................r
como se não visse a hora de chegar em casa e abrir o que tinha dentro da sacolinha branca!
Com um ..s..o..r..........i...s...o...... tímido, um filme passa na minha frente:
.............................r
mas o que poderia ter de tão especial naquela sacolinha? Uma boneca? Um chocolate? Não consegui pensar em nada mais...
E o que teria sido ainda mais terapêutico que o método "cathártico"? Imaginar o delicioso conteúdo da sacolinha branca? O vestido vermelho? A leveza dos cabelinhos cacheados ao vento?... a leveza e inocência do sorriso largo... Véus translúcidos que recobrem algo essencial, interno que, emitindo melodias no silêncio, e imagens na penumbra, deixa surgir a presença da Vida. Com essa abertura para que possamos ex-sistir e correr livre pelo espaço, acolhemos a essência da existência, o que se revela enquanto vela, o que se ilumina enquanto sombreia...

Tudo, mas tudo isso mesmo, com a inocência de um sorriso sincero...

domingo, 17 de janeiro de 2010

Ode à loucura

Na época das grandes navegações, o homem descobre um outro mundo, encontra diferentes costumes e verdades. Entretanto, as contradições das opiniões, dos juízos, acarretam reações diversas.
Michel de Montaigne passeia e abarca a grandiosidade da diversidade, proporcional à infinitude apresentada pela natureza. Assim, como estabelecer uma linha divisória entre o possível e o impossível, entre o verdadeiro e o falso, entre razão e loucura? Como julgar o que é infinito e movente? Tudo faz parte do infinito poder da natureza, só nos resta acolher e vivenciar as transições oferecidas, experimentar o que se muda, o que contrasta. Deste modo, propõe experimentar esta tênue diferença, e só assim pretender compreender e praticar o próprio "eu".
Já René Descartes procura o caminho da certeza verdadeira na ciência. Edifica seu texto, passo a passo, minunciosamente, excluindo qualquer possibilidade de desvio. O ponto de início? O "eu" que, ao duvidar, pensa; logo, existe como substância clara e distinta. A loucura não cabe no método. Não pode ser nem incluída nem resgatada. Não é um falso juízo, é ausência de juízo. Portanto, se penso, não sou louco. E se sou louco, não penso. À partir daí, esta razão instaurada no mundo ocidental exclui a loucura. Mas... esta razão só se constitui em parte equivalente do seu avesso: a loucura. Quanto mais intensa a luminosidade, mais definida a sombra.
O olhar filosófico faz-nos "atentos ao desconhecido que bate à porta", como cita Deleuze. Ficamos na passagem entre o "Mesmo" e o "Outro", entre o que somos e o que estamos vindo a ser.

Fechem as janelas! Tranquem suas portas!

Como bem disse Montaigne, "o maior sintoma de loucura no mundo é reduzir a vontade de Deus e a força da natureza à medida de nossa capacidade e de nossa inteligência." Abra a porta da sua casa sem medo, nem preguiça - são estes que desperdiçam a vida! E isso também é loucura.

Poetinha de saias

Sempre aparece galante

Por vezes cheio de medos
Outras, arrogante - como escudo
Aí vem cheio de histórias
Depois, divaga nas poucas histórias
Tem o carregado de certezas
E o que pesquisa incertezas

Gosto quando tem um brilho no olhar
Divirto-me quando o perde e nem faz questão de achar
Tem o que ferve
quando me faz derreter
E o que estremece
quando deixo arder
Aparece quando menos espero
E se vai quando mais o quero

Mas é assim que te quero:
...l ..i ..v ..r ..e
E assim te espero:
...l ..i ..v ..r ..e

... como não amar quem
irresistivelmente e
irremediavelmente
sempre volta...

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Trapaça

Passa o passo
Descompasso
do amasso
Chega e eu vou
Vai e volto

A vontade fica
e sinuca a saudade

Sem espaço
perco o passo
e me desfaço
no teu laço

domingo, 10 de janeiro de 2010

Portal dimensional

"O Mundo da criação e do amor significa: volta ao país natal, entrada no paraíso; e a impossibilidade de criar, ou do amor morto, é, ao contrário, um exílio onde os deuses nos abandonam" Lou Andreas-Salomé

"Assim, para quem ama, o amor, por muito tempo e pela vida afora, é solidão, isolamento, cada vez mais intenso e profundo. O amor, antes de tudo, não é o que se chama entregar-se, confundir-se, unir-se a outra pessoa (...) O amor é uma ocasião sublime para o indivíduo amadurecer, tornar-se algo por si mesmo, tornar-se um mundo para si, por causa de um outro ser: é uma grande e ilimitada exigência que se lhe faz, uma escolha e um chamado para longe" Rilke



A gente se via e nem se notava. Não havia coincidências. Eu te encontrava na fila daquele banco porque ele era próximo do hospital. No elevador porque era hora do almoço e trabalhávamos no mesmo prédio. E o cinema? Os mesmos gostos, como não encontrar?
Aquele dia amanheceu como qualquer outro. O cheiro do café era o mesmo, a hora do relógio do microondas, a mesma. Na sala de reuniões, as pessoas sentadas nos mesmos lugares: o que brincava com a caneta entre os dedos, o que ficava descalço, a que chorava pelo canto dos olhos... A mesma cena de ontem e de amanhã: mais um previsível dia no tempo circular, em carrossel.
Entretanto... Leio "Sr. José" na tela do palestrante. Ao mesmo tempo, meu olhar se atrai para o teu livro de capa cinza com a figura da escadaria do Escher - "Todos os nomes". Aquele livro que bloqueou Saramago do meu repertório - não passei das primeiras páginas! Nunca mais peguei um Saramago nas mãos. Fiquei intrigada... No meu olhar míope, o livro aparecia incrivelmente nítido!
Intervalo e te abordo: o que te encanta nesse livro? Começa a falar... os olhos voam e brilham! Mergulho no som, no tom, ganho uma pontinha do teu universo de vibração tal que escapava pela tangente do carrossel que estávamos ocupando. Éramos muito mais:
....aroma adocicado
..........cores vivas e quentes,
.......um som translúcido que embriaga e nos faz
............................l ................t........rr.
................................e...v...i.......a


Nesta dimensão o calor é insuportável. A taquicardia e a respiração ofegante só potenciam o rubor cutâneo. Instintivamente, procuro a suavidade refrescante dos teus lábios enquanto teus braços me fagocitam. Vamos num crescente... mezzo forte... fortissimo... nos livramos dos tecidos, tamanha a temperatura corpórea. Teu toque me arrepia, sinto um fiozinho gelado descendo pelas costas que irradia para o baixo ventre. Frio e quente se misturam no mel úmido que me encharca. Ávida, te fagocito... Na cadência do desejo, seguimos nosso andamento e dinâmica com perfeição, até sentirmos um apeeerto que expulsa nossos flúidos e sentidos que salpicam na nossa vibração. Deste modo, com os sentidos em espaço extra-corpóreo, presenciamos todas as faces do nosso ser.
Agora rallentando... piano... tentamos manter a penumbra que atiça a curiosidade pelo mundo e nos permite acolher a vida como ela pode ser: repleta de aromas coloridos, sons translúcidos e sabor áspero que desliza sobre a brisa...


terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Keep walking

Ryan Larkin - "Walking"

Caminho. Pé ante pé. Lépida e silenciosa nos tons pastéis. Pesada e lenta em escala cinzenta. Vibrante em cores raivosas... alegres... fortes! E meu olhar capta as imagens carregadas de informações sinestésicas no mesmo andamento: largo, allegro, vivace, presto! As expressões corpóreas e faciais, sempre intensas, porém de tempos diferentes. Pessoas de tempos diferentes:

gente-retrato,
..........-animação,
..........gente-delineada,
....................-borrão,
....................gente que vem e some,
...............................que vem e vai,
...............................que vem e fica,

.............................gente por quem a gente passa e nem percebe...


............................................Gente................... dança

..............................................................que ................. !

Tempos diversos, matizes distintas. Eu só posso dizer que não tenho mais escolha: caminho na direção e sentido da cor vibrante, que dança no rítmo das batidas do meu coração.
Os retratos de cor pastel, sépia ou em escala cinza ficam guardados em algum lugar do tempo. Quem sabe, com o tempo, voltem a florescer...

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Natal, um falecido e o DIU

Nestes "papos programados" das festas de fim de ano, quer coisa melhor que um marido morto? Quando as mulheres começam a falar sobre o marido, assunto sobre o falecido não falta. Se as solteiras papeiam sobre o homem que aspiram, ninguém melhor que o falecido como exemplo. Tudo o que deu errado ou certo, culpa do marido morto. Tudo o que deseja e não consegue obter já está preenchido pelo passado. A vida em paralelo. A vida virtual. E o melhor, não se precisa vivenciar as agruras de um casamento... O marido morto é um escudo para a (auto) piedade alheia. Justifica e permite o estado da alma solitária.

E se a saúde não vai bem? A agressão ao corpo? Nada melhor que um DIU (dispositivo intra-uterino). Melhor que a TPM mensal, o DIU é permanente - 5 anos!!! Infecção urinária? DIU. Corrimento? DIU. Odor pútrido? DIU. Quer dar mas é melhor fazer um doce? DIU. Não quer dar? DIU. E n l o u q u e c e u - simplesmente quer dar! DIU. Engorda? DIU. Tropeçou? DIU. Choveu? DIU! O DIU é uma justificativa para qualquer alteração física incompatível com o ideal feminino de perfectibilidade. Justifica e permite o estado do corpo vulnerável.

Muito bem, caríssimos. Meu ex-marido está bem vivo e é bem bacana, não convém fazê-lo nem de vilão, muito menos herói. Tirei meu DIU. O que resta? Um corpo vulnerável e uma alma solitária. Ou seria um corpo solitário e uma alma vulnerável?

Bah, só uma mulher, com a "falta lacaniana" que lhe é companheira fiel, para gastar tantos ATPs para justificar o injustificável nestas malditas festas comemorativas. Da próxima vez, venho homem: um carro pro corpo e um time de futebol para a alma. E basta!