sábado, 31 de outubro de 2009

Kairós

"Chronos-Kronos que destrona a oportunidade benfazeja - propício Kairós - e fertilidade promissora - benévolo aiôn - , deixa-nos à mercê de Saturno, ontem zodíaco e relógio, hoje cronômetro; campanário sempre. Senhor dos dias, da vida, do esquecimento e da morte, aduladora imagem do progresso, dor irremediável da saudade, o tempo é curandeiro, abismo e treva..."

Marilena Chaui in "Os Sentidos da Paixão"


Nossa despedida foi como teria que ser. Em movimento, passageiros e passagens para todo lugar, palavras irreconhecíveis soltas no ar, tristeza, alegria, encontros, desencontros e despedidas.
Nesta fotografia, o nosso túnel salta aos olhos,
.O som abafado,
.Vc encostado na entrada do vagão do trem que parte,
.Eu subindo na escada rolante com a mochila nas costas, jeans, uma rosa na mão e o olhar no teu.
Comprovei que a imagem não se apaga com a enxurrada de lágrimas. Mas por quanto tempo sobrevive este olhar? Este cheio de ternura, nítido, denso, carregado de paixão, que surge quase sem querer?

Ainda tínhamos todo o tempo pela frente, e para ele confiamos nossa vida.

Seguimos nosso caminho sempre do melhor jeito possível. Tentávamos burlar a realidade nos momentos atemporais e ectópicos, trazendo o olhar de volta aos nossos olhos - quem sabe nos esbarrássemos?
.Voltou ao nosso canto e não me encontrou,
.Escutava uma música e não te trazia ao meu lado,
.Assistíamos ao filme em universos paralelos:
aquele olhar na tela, no enredo, nos personagens, na literatura, na música... As lágrimas sempre tentam lavá-lo - ou perpetuá-lo?


O acaso enfim te traz para o meu mundo, real demais para destemer a resposta da vida construída ameaçada: "o medo que esteriliza os abraços". Não tive coragem. Não escutei meu coração. Fechei meus olhos para nada mais ver...

Continuamos seguindo em caminhos supostamente divergentes, forçados por palavras sombreadas por um afeto transviado. O silêncio fechou também seus olhos e o coração.

Mas o olhar insistia em nos instigar... Aparecia quase sem querer! Numa conversa, num revirar de olhos, num suspiro, no meio do trânsito, num escape!

E numa benfazeja oportunidade, cruzamos nossas palavras! Palavras soltas, palavras claras, palavras ariscas... um petisco! Pouco a pouco, engolem o tempo dos homens. No nosso espaço e tempo divino, soltamos as rédeas e extravasamos o afeto destemido que embebe e acolhe aquele olhar. Confissões e lembranças num crescente que aquecem meu corpo que anseia pelo teu. Deslizamos nosso desejo sob a sintonia ritmada do prazer. De início tímido, desavergonhadamente quebra as pilastras morais e alcançamos o coração!

Assim, plenos, destemidos, agarramos o tempo com as unhas! Enfim, de alma livre, seguimos com a sensação da participação no infinito.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Estereograma




Na vasta trama
da rede plana
de unidades online,
pontinhos verdes correm
de casa em casa,
ambiente em ambiente,
letra por letra,
alma por alma.

Não se reconhecem os corpos,
não se toca, nem se acaricia,
não se enxerga a ternura no olhar
nem se escuta a respiração ofegante,
a fala trêmula...

Eis que surge teu relevo,
o contorno do teu olhar míope
que refrata nos detalhes
do encanto entre minhas palavras,
espaços repletos de
cuidado,
assombro,
rendição ao
indelével afeto

Quanto mais esculpo tua forma
maior a vontade de te abraçar,
acariciar, invaginar

De minha alma brotou
E nela te recolho

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Cosmos

Sonnet 116
William Shakespeare
Let me not to the marriage of true minds
Admit impediments. Love is not love
Which alters when it alteration finds,
Or bends with the remover to remove:
O no; it is na ever-fixed mark,
That looks on tempests, and is never shaken;
It is the star to every wandering bark,
Whose worth´s unknown, although his height be taken
Love´s not Time´s fool, though rosy lips and cheeks
Within his bending sickle´s compass come;
Love alters not with his brief hours and weeks,
But bears it out even to the edge of doom.
. If this be error and upon me prov´d,
. I never writ, nor no man ever lov´d.
Não há empecilhos quando mentes
Verdadeiras se afeiçoam. O amor inexiste
Quando se altera por qualquer motivo,
Ou se curva sob o ímpeto apressado:
Ah não! É um olho inabalável,
A mirar as tempestades, sem se alterar;
É a estrela-guia de todo barco à deriva,
Cujo valor se desconhece, embora alta viva sobre o mar.
O amor não serve ao Tempo, embora suas róseas faces e lábios
Curvem-se ao arco de sua longa foice;
O amor não se altera com suas breves horas e dias,
Mas sustenta-se firme até o fim das eras.
Se tudo que eu disse se provar um engano,
Jamais escrevi, nem amou qualquer humano.
Trad: Thereza Christina Rocque da Motta


Eu me lembro bem. Não poderia esquecer. Experimentava a liberdade plena, de tempo e espaço ilimitados. A cada estação de trem, abria-se o portal dimensional para um mar aberto. Deixo-me à deriva e permito-me não escolher o destino... Naquele instante à beira do abismo, faço da mochila meu sofá e retomo Clarice Lispector: minha língua, minha pátria. Encerro-me neste mundo enquanto ouço palavras irreconhecíveis. Longe, bem loooonge..


E surge sua voz que me abduz! Palavras aconchegantes, calor familiar, sotaque d e l i c i o s o... Em algum lugar em constante movimento, a lua e a estrela acompanham nossa conversa desenfreada: aventuras, experiências, expectativas, incertezas, o sonho de uma vida porvir - e quem diria que era justamente aquele momento o maior dos sonhos... Sem nos dar conta, o sol emite a luz que aquece o corredor do trem. Pouco a pouco, a mágica do movimento esvaece e o destino nos alcança.


Exausta da errância, resolvo seguir seus passos. Quero me fartar de lar. Entro no seu olhar e sinto seu desejo de abocanhar o mundo. Assim me fagocita. Quer minha pele macia, minhas curvas de destino incerto, minhas entranhas que assombram e perseguem a luz. Desliza no calor úmido que escorre pelas pernas... Assim quer mais, sempre mais e penetra no fundo do meu ser. Ex-siste, in-siste, e no rítmo desta dança cada vez mais frenética, explodimos nossos sentidos que espalham quasares no caos. Neste momento repleto de imagens na penumbra, acolhemos a infinidade de estrelas que habitam nosso cosmos.

... e nada poderia ser mais verdadeiro!

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Purpurina

Desculpa se não te ligo
Desculpa se não te sigo
Quero te ver florescer
... não me permito te esquecer

Te quero gigante
e quanto maior se faz teu mundo
mais me instiga
mais te desejo

Te quero livre
e quanto mais alto voa
mais me fascina
mais me alucina

Assim me abraça
Assim me laça
Capta meu Ser
... impossível te esquecer