quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Coca Zero

Por vezes, temos a sensação de que cortaram a luz no meio da projeção de um filme. A gente tem uma mania de atribuir significados, inventar e fantasiar o fim... Para ver se consegue adoçar um pouco o gosto amargo da ausência.

No começo, é a única alternativa para não amargar a vida inteira. Passo a passo, acreditando no tempo como aliado, acostumamos com o gosto do adoçante na vida. Adoro uma coca zero!

Mas, sei lá, aquela vontade de saber o fim da história nunca termina...

Chegando no fim da vida adoçada, o fundinho amargo pode ser outro.
O de ter se deixado iludir pelo tempo - tô falando que ele é traiçoeiro...
E não ter aproveitado todo o doce sabor da vida.

domingo, 27 de novembro de 2011

descarnados

http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-62/ficcao/divorcio

Tempo traiçoeiro

Tento agora canalizar esse mundo que no momento paira sobre mim. Uma certa saudade de quem via nos corredores, nas festas, nas salas de aula. De quem eu só era capaz de sentir a presença. Nada mais. E porque nem me permiti. Sempre deixava "para a próxima vez". Esse é um vício torto mesmo...

Uma presença leve, feito passarinho. Artista, poeta, sensível, doce de mel...

Acordei naquele dia e deparei com canções lindas... e pedi lincença para compartilhar:

toda licença poética é mto bem vinda = ) faz parte duma parceria entre a hilda hilst (com uma série de poemas sobre Ariadne e Dionísio) e composição musical do zeca baleiro (Ode Descontínua para Flauta e Oboé), com mais ná ozzeti, monica salmasso, bethania....... afe! quedo-me silente......



Uma alma tão doce... Guerreira, de quem saiu da casa cheia de verde, cantos de passarinhos, cheiro de flor...

"Na nossa casa amor-perfeito é mato
E o teto estrelado também tem luar
A nossa casa até parece um ninho
Vem um passarinho pra nos acordar 
Na nossa casa passa um rio no meio
E o nosso leito pode ser o mar

A nossa casa é de carne e osso
Não precisa esforço para namorar
A nossa casa não é sua nem minha
Não tem campainha pra nos visitar
A nossa casa tem varanda dentro
Tem um pé de vento para respirar"
Arnaldo Antunes

... e veio estudar na cidade grande cinza, barulhenta, cheia de trancas e medo - e como é difícil, bem sabemos.

O que será que se passou...

Talvez eu saiba. Talvez um dia tenha vivenciado tudo isso. Por vezes parece que o momento em que estamos é só um momento. Que o outro será melhor. Como aquela pipoca de saquinho rosa - a gente sempre espera uma mais crocante e doce, e sabemos que virá. Quanto mais jovens, mais acreditamos na quantidade de pipocas porvir. A morte talvez fosse mais crocante e doce do que o gosto sem gosto que estava na sua boca...

Mas o que mais amarga o gosto na boca, é a distância que nos impôs. Impossibilitar aquela vontade que eu tenho de ligar e me encontrar com vc, ver seu sorriso doce, e dizer como me encanta. Mesmo sabendo que, se estivesse por aqui, continuaria "deixando para depois". Por que deixo de falar com quem gosto, com quem realmente vale a pena cada encontro, neste momento em que tenho vontade?

Por que sempre achamos que o tempo é nosso amigo?

De certo, ele é traiçoeiro... Rouba-nos o melhor - o presente momento.

"afe! quedo-me silente..."


terça-feira, 22 de novembro de 2011

Intolerância

Há alguns anos atrás, na época das grandes navegações, qual não foi a surpresa em se encarar um outro tão diferente, vestindo-se de modo completamente diverso, inserido numa natureza que feria os olhos de tão verde e ensolarada... Não ser o centro do universo já foi difícil de aceitar. Que dirá do "outro": mesma espécie - homo sapiens - mesmas necessidades, e TANTAS diferenças... Como poderia ser? Como o outro poderia viver bem, sendo tão diferente? As aferências eram tantas, tantas informações, tantos focos, que acabavam ofuscando o que se enxergava.

Desta época, encontra-se já na "Encyclopédie" ou dictionnaire raisonné des sciences, des arts et des métiers um verbete sobre a Intolerância:

"...entendida comumente como essa paixão feroz que leva a odiar e a perseguir aqueles que estão no erro. 
(...)
Todo meio que excita o ódio, a indignação e o desprezo é ímpio
Todo meio que desperta as paixões e que nelas tem objetivos egoístas é ímpio
Todo meio que afrouxa os laços naturais e afasta os pais dos filhos, os irmãos dos irmãos, as irmãs das irmãs, é ímpio.
Todo meio que tende a sublevar os homens, a armar as nações e a molhar a terra de sangue é ímpio.
É ímpio querer impor leis à consciência, regra universal às nações. É preciso esclarecê-la e não constrangê-la.
Os homens que se enganam de boa fé são para lastimar e não para punir."

Muito bem. Vamos respirar fundo. E procurar então o verbete sobre a Tolerância:

"... é a virtude de todo ser frágil destinado a viver com seus semelhantes. O homem, tão grande por sua inteligência, é ao mesmo tempo tão limitado pelos seus erros e por suas paixões...
(...)
... como a razão humana não tem uma medida precisa e determinada, o que é evidente para um é frequentemente obscuro para outro. (...) De onde se segue, que ninquém tem o direito de dar sua razão por regra, nem pretender submeter ninguém às suas opiniões."


Incrível como, passados alguns fatos e outros tantos atropelos, voltamos ao mesmo ponto. Ainda nos obrigamos a nos encher de opiniões. Em um mundo recheado de informações rápidas - ninguém mais tem tempo para entender nada - basta que uma ou outra informação chegue aos nossos olhos ou ouvidos para emitirmos uma opinião.

Quanto mais polêmica, melhor. Ou, quanto mais carregada de paixão, melhor.

Será...

Que o cotidiano é tão vazio, tão mecânico, que necessitamos de algo que nos suscite o afeto?

A rotina engoliu o afeto!

Perdidos na trilha certa, desesperados em busca de qualquer informação que o traga de volta... Nem mais importa se atropela o outro.




De novo, uma pena...

Um desperdício de humanidade...

domingo, 20 de novembro de 2011

A insustentável leveza do ser

"para mim, uma escolha nunca é final: está sempre sendo feita (...) O horror da escolha definitiva é que envolve não só o eu de hoje, mas também o de amanhã, razão pela qual fundamentalmente o casamento é imoral."

Simone de Beauvoir

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

A fidelidade...

"Agora me vou, mas fique sabendo, Catierina Ivánovna, que a senhora realmente só ama a ele. E o ama tanto mais quanto mais ele a ofende. Eis a sua mortificação. A senhora o ama precisamente tal qual ele é, ama-o sendo ofendida por ele. Se ele se emendasse, a senhora o largaria imediatamente e deixaria de amá-lo de vez. Mas a senhora precisa dele para contemplar constantemente sua façanha de fidelidade e censurá-lo por infidelidade. E tudo isso movida por seu orgulho. Oh, há muito de rebaixamento e humilhação aí, mas tudo isso vem do orgulho..."
F. Dostoiévski - Os Irmãos Karamázov

Olho para a ficha, chamo o Sr. João, 70 anos. Levanta do sofá da sala de espera... cabisbaixo... Logo a Sra. Maria, lépida e olhar severo, se adianta e me cumprimenta primeiro. Adentram à minha sala e se sentam à minha frente. Atenta, escuto a Sra. Maria. Pergunto ao Sr. João o porquê da visita. Ele abre a boca, insinua o movimento laríngeo para a emissão da voz... e novamente é a Sra. Maria quem me responde. "Ele não passou no exame médico para renovar a carteira de motorista. Eu disse para ele para passar com a senhora antes, mas... e ele me escuta?"

Diante daquela nuvem inesgotável de palavras, enxergo o album de fotografias e os porta-retratos espalhados pela casa. Maria, distinta, recatada, exemplo de mulher. Trabalhadeira, dedicada aos seus, amorosa, olhar doce e acolhedor. Incapaz de perambular pelas sombras. Ahhh... a mãe ideal para os filhos.
E vem João, cheio de vida, adooora um papo, bebe... socialmente (uma breja sempre vai bem, né?), e o olhar brilhante que caça qualquer movimento, segue cada suspiro inesperado. "Tanta beleza nesse mundo... mas, mais bela é minha formosa Maria, moça de família... moça para família..."

À cada caça, João retorna para Maria - é seu porto seguro!
À cada caça que Maria fareja em João... o olhar abaixa. Mas mantém a altivez! Mantem a "dignidade".

À cada caça, João retorna para Maria - ela o ama de verdade! Nunca o largaria...
À cada caça que Maria fareja em João... o asco. Mas mantém a altivez! Realça sua conduta impecável! Pode ser severa: encontra-se acima de qualquer suspeita! Adquiriu direito de julgar! - Mas nem percebe o preço a se pagar:  sua Dignidade

Chega o momento em que João se rende. Qualquer olhar é repreendido. Pela lembrança severa e "digna" de Maria.
Finalmente Maria se encontra acima de qualquer um.
... acima da pisoteada Dignidade.




quinta-feira, 10 de novembro de 2011

A paixão pelo amor



"A impossibilidade da plena realização do encontro amoroso, que o percurso dos amantes indica, teria que ser entendida já como um extravasamento, uma excedência que os faz, mais do que se amarem um ao outro, serem presas do amor, "o amor do amor", num grau de narcisismo para além do espelhamento pessoal. A situação dos amantes é apaixonadamente contraditória: eles se amam mas não se amam , sentem-se arrebatados para além do bem e do mal numa espécie de transcendência das nossas condições comuns, num absoluto indizível incompatível com as leis do mundo, mas que eles sentem como mais real que este mundo. O que os liga de modo indissolúvel é uma "força estranha", "tormento delicioso" que opera no estranhamento e na fusão dos contrários. Transportados, entusiasmados, endeusados pela paixão, drogados de si e do outro, o que eles amam é o próprio ato de amar, o amor em si, e tudo o que se opõe a isso o exalta ao infinito (no instante do obstáculo absoluto que é a morte)."

José Miguel Wisnik - A paixão dionisíaca em tristão e isolda - Os Sentidos da Paixão


A vivência da vida
e da morte de muito perto
O que pode ser mais intenso que uma vida inteira, para além dela sob a luz do dia
E mais arrebatador que a morte, quando a lua nos abandona

Por um amor sem corpo... sem lugar para ser... sem estar para se consumar
e que por isso nos levava além do bem e do mal
equilibrávamo-nos na tênue linha entre o possível e o perigoso
onde não há distinção entre
certo ou errado
quente ou frio
dor ou prazer
em que a morte é só um lugar.... diferente daquele que nos repelia

Ilimitado... impulsionava-nos ao infinito - lá, só lá situava o nosso amor

Já nem sabíamos o que carregar... 

Ao mergulhar na insegurança do teu olhar, um punhal no meu peito abriu espaço para sugar o teu breu. O abismo encheu meus pulmões e eu não conseguia expirá-lo. Uma tremenda falta de ar me fez pular da tua cama e correr para a janela.

Não vi a lua
nem luz nas janelas
nenhum sopro de voz
só vácuo...

Quis fugir dali, correr muito, voar para... para onde? Como? Estava sempre com frio, cheio de espinhos, vazio... o corpo estava sumindo... cada vez mais leve... as mãos nas tarefas, e o olhar ausente... Naquele momento, atemporal, embebida pelo infinito, a morte era só um lugar, talvez, melhor...

A vida, que nunca me abandonou, me resgatou!
Presenciou-me. 
Engoli tua dor...
e parti.

Nada! nada pode ser mais Belo...

"O mundo é pobre para quem jamais foi doente o bastante para essa 'volúpia do inferno': é permitido, é quase obrigatório usar aqui uma fórmula mística. [...] e, sendo assim como sou, forte o bastante para ainda tirar vantagem do mais problemático e perigoso e com isso tornar-me mais forte, denomino Wagner o grande benfeitor de minha vida" 
Nietzsche - Ecce Homo



segunda-feira, 7 de novembro de 2011

L e V i T a R


É uma fissura!
Sabemos da explosão de prazer, ela fica na memória encarnada no nosso corpo. Qualquer sinal de presença dispara o gatilho. Aí a razão se perde e não nos encontra, vem o arrepio e começamos a pegar fogo!

Aquela loucura em que não comandamos mais nossos movimentos

Não sentimos mais os corpos, o peso, as sensações estão todas concentradas naquele calor e são elas que nos movimentam...

c    o   m   p a   s s  a doSsiNcRôNiCoS

!!!!!
..
.
.



Estarrecidos, agora um ao lado do outro...

L   e  V  i   T   a  N  d   O

"Estou no ar..."

Aí te (me) encontrei!

Naquela clareira
rodeada pelo breu da floresta cerrada que silencia qualquer sorriso,
Naquela clareira
onde as copas das árvores gigantescas amenizam a luminosidade impertinente

Uma percepção extrasensorial, irracional,
que impregna no meu ser...
... na memória do meu corpo

Não se preocupe,
não sai!!!

sábado, 5 de novembro de 2011

Traquinagem


Tá de sacanagem comigo?

Quando penso que enfim chegou o verão,
esse frio invernal me subtrai
e me leva novamente ao outono?

As folhas, amarelinhas, na calçada da minha rua...

Que esse tempo siga seu curso!

Comme il faut
.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Vôo solo



 "Ah, só pode sair de nós quem nunca possuímos. E não podemos nem sequer lastimar o fato de nunca termos realmente possuído este ou aquele: nunca teríamos tempo, nem força, nem justiça para tanto. Pois a mais momentânea experiência de uma posse real (ou de uma comunhão, que é, de fato, posse dupla) nos lança com tal ímpeto de volta a nós mesmos, nos dá tanto o que fazer aí, exige tanto desenvolvimento solitário de nós, que ela bastaria para nos ocupar como indivíduos para sempre"

 Cartas do poeta sobre a vida - R.M. Rilke