Pascal: "Les hommes sont si nécessairement fous que ce serait être fou par un autre tour de folie de n’être pas fou’. (...) Il faut faire l’histoire de cet autre tour de folie, de cet autre tour par lequel les hommes, dans le geste de raison souveraine qui enferme leur voisin, communiquent et se reconnaissent à travers le langage sans merci de la nonfolie...”
sexta-feira, 25 de dezembro de 2009
Espanto
Quando os deuses enlouquecem e deixam de permear nossas expectativas, caímos no abismo. Ausência de luz, som e pensamento. Nem aridez, nem maciez... nem dor. Nada. Ao sabor do vento, estou enfim aformatada! O corpo se amolda a qualquer forma, qualquer circunstância, num tempo qualquer.
Plácida, amorfa, solto minha alma e te encontro.
Enlaça-me, sinto que me puxa, vou para conferir.
Pouco a pouco, nanômetro por nanômetro, percorro teu corpo e teu olhar. Vou na cadência das estrofes. A cada acidente, um suspiro, uma extrassístole, uma dissonância. O caminho vai se tornando cada vez mais embriagante, atonal, e instigante. Imprevisto, o que era para ser desvendado numa noite, mostra-se uma imensidão! Cada nuance, um espanto. Um convite ao mistério sem fim:
Nada parece ter a pureza e a ternura que encontrei nos teus olhos. E nem o desejo e o prazer que repousavam sob tuas pálpebras. Muito menos o arrepio do meu corpo com o contato com o teu. Todo o universo contido entre 4 paredes: a sintonia poderosa que regia nossa sinfonia de vivências, idéias, palavras, gemidos, sussurros, imagens, abstrações indizíveis, dança de corpos, e sobretudo a doçura e a ternura que excitavam até o ultimo fio de cabelo...
Divino, mergulho em Bach
... meio tom acima.
quarta-feira, 23 de dezembro de 2009
Guidelines 2010, 2011, 2012...
2. Fé, confiança...
... e pó mágico porque ninguém é de ferro
3. Olhar destemido e abrangente para varrer as possibilidades ao alcance das mãos. E aí proceder a escolha
4. Na despressurização, colocar a máscara de O2 primeiro no próprio nariz. Só assim se tem condições de cuidar dos outros.
5. Quem tem filho grande é elefante e girafa
6. Ouvir a voz do coração - FUNDAMENTAL!
7. "Transformar a perda em nossa recompensa"
8. Saber que tudo dá certo no final - essa vida é muito boa!!!!!
... e tá aumentando...
segunda-feira, 21 de dezembro de 2009
Bastonetes insistentes
Eu me apaixonasse
pela luz
E direcionasse
meu olhar pelos cones:
A beleza das cores
A nitidez da imagem
Belas cenas
Belo filme
Meu insatisfeito olhar
conta com a força
dos bastonetes
Quer encontrar imagem
na penumbra
Não se contenta
com belas cenas
Quer mais
Olhar independente
Olhar livre
Olhar puro
Pula o muro
Do escuro se alimenta
À tormenta faz-se submerso
Dirige o filme
Quer sempre mais
sábado, 19 de dezembro de 2009
Não quero dormir
sem te ouvir no aroma de Halls
sem te tocar na música do Interpol
sem te provar nas tuas palavras
que memorizei
Vou dormir
e com você me enroscar,
me encantar, me deixar e me abandonar
Me leve como lembrança
bem aventurança
partner na dança
brincadeira de criança
leve love me leve
quinta-feira, 17 de dezembro de 2009
Days of summer
Assim, o nosso encontro foi por acaso, for sure. Mas as coincidências não casuais me encantam. Aquelas ligadas por uma sonoridade regente. Ou talvez, só prestamos atenção nas coincidências mágicas. As outras, que completam e confirmam as leis aleatórias da randomização, passam por nós em preto e branco.
E assim chegou, melódico, poético, vibrante, sob o sol - e que sol! Pincelou minha vida com mel. Foi rápido, uma tela impressionista. Impregnou nas minhas lembranças. Quanto mais nos afastávamos, mais eu tentava me livrar das imagens, e aí sim que o avesso colava nas minhas entranhas: teu sabor, meu prazer, teu cheiro, minha música, nossa cadência.
Poderia ser simples assim: não quer me ver. Se pudesse, estaríamos juntos.
Mas não fui abençoada: o dom da fé não me foi concedido. Não tenho deuses, nem por quem rezar. Assim, só me resta acreditar no acaso poético. E nele, continuo rezando por ti.
segunda-feira, 14 de dezembro de 2009
O universo num grão de areia
Encontro enfim quem vive e sente a batida forte com o coração. Dança com a alma. Um sorriso cândido de quem nada teme - está em fase de ganhar o mundo! Só não sabe como chegar em mim. Nosso olhar se esbarra, percebo o eletromagnetismo, o rítmo nada aleatório, a dança das equações para uma única resolução... Discretamente ensino o caminho pelo olhar de viés. A sintonia é imediata, os corpos se encaixam, exalamos desejo e inalamos prazer, o oxigênio radiante nos deixa cada vez mais ofegantes.
Salto, escapo, a vida me amedronta! Como de hábito, quero fugir, manter-me entre corpos, depois de tanto tempo de asfixia... Mas volta, empurro-me, algo me enlaça - o encanto no sorriso, no olhar, no pensamento, na fantasia.
E nesta, contida num grão de areia, percebo a imensidão da atmosfera que me embriaga e seduz. Sinto o calor e a maciez dos teus lábios, um arrepio eriça a penugem da minha nuca, um aconchego que me encharca... Voamos com a brisa e atingimos nosso espaço, transcendente, quietude que permite escutar o rítmo cardíaco, sussurros, gemidos, uma sinfonia! Em movimento pendular, harmônico, deslizamos nas nossas seivas até a explosão dos sentidos, na velocidade do prazer! Aí sim presenciamos o infinito, aquele que atingimos ao som de Bach. Tudo num instante. Nada mais que um instante...
quinta-feira, 10 de dezembro de 2009
Here comes the sun
Com o tempo, fui percebendo que já não tinha nada. Não me encontrava no pouco que restava de mim. Como procurei... Nos filmes, nos livros, no fiasco de paixão que sobrava do olhar de um outro alguém.
E que inveja...
Eu não tinha mais nada para oferecer. Eu não era mais ninguém. Restava o espaço que meu cisco de corpo ocupava em algum lugar da casa, do consultório, do hospital ou dos lares dos nossos amigos que nos viam como um... e alguma casa decimal.
Bom, por algum milagre, acho que por instinto de sobrevivência, capturei o soprinho de vida que ainda tinha e, alcei vôo - acho que já tinha virado pó e não sabia! Gostei da brisa, senti enfim o ar entrando pelos meus pulmões, insuflando os alvéolos atelectásicos, voltei a ter volume. O espaço que agora ocupava, não cabia mais naquele cisquinho que me era de direito. Quando insistia em voltar, sentia novamente o colapso alveolar progressivo e lento... Por hábito. O fluxo já tinha direção e sentido estabelecido. Irremediável.
Agora, sei que o mundo me espera. Sei da fome que meus olhos sentem pelas infinitas imagens oníricas, sonoras, inusitadas, poéticas, irônicas, concretas, ideais, experimentais, essenciais... O caminho é repleto, banhado pelo luar. O sol está chegando. Pouco a pouco.
Mas... o que deixo , o que de mim se foi, o mundo que te dei e se foi, não recupero mais. A sede de beber o teu desejo se foi. E com ela, o melhor e o pior de mim. Ao teu lado me vejo pó.
Preciso voar.
Preciso!
Desculpe-me... é questão de sobrevivência.
quarta-feira, 2 de dezembro de 2009
De ninguém
tua, minha, sua
a camisa
Trabalha
meu, teu, seu
corpo a copo
Vira
teu, meu, nosso
mundo,
luto
de ninguém
domingo, 29 de novembro de 2009
Por um instante
Nas entrelinhas, percebo a intenção. Nos gestos, a informação.
Assim, sabe que te espero. E sei que me espera. Sabe que não quero todo o teu tempo. Sei que não posso te oferecer todo o meu tempo. No entanto, um laço nos enlaça em algum momento, curto, longo, esporádico ou frequente. Momento de escape, de vida grandiosa, de... entrega.
Deste modo, por mais que o objeto seja ideal, a tua vivência me conforta, me faz melhor, me faz o ser redondo com 4 braços e 4 pernas do Aristófanes, aquele que corre mais que qualquer ser humano, que desmedidamente desafia os Deuses: quando estamos encaixados pelo prazer, face a face, corpo a corpo, confundindo nossas pernas, os toques das mãos (de quem são as mãos?), misturando nossas seivas, cheiros, olhares, quando meu desejo ganha proporções absurdas quando se reflete no teu... Alcançamos a velocidade da luz, driblamos o tempo dos mortais, atingimos a esfera supra-lunar. Vivenciamos o infinito durante a pausa que nossa existência nos oferece.
Só precisamos nos permitir. Permitir que o medo da entrega seja acolhido, porque este faz parte da existência! E mergulhar no desejo, sem culpa, sem receio de tropeçar, sem temer a decepção.
É possível!!! Porque sabemos dos limites. Sabemos quando acaba. E só acaba para começar de novo, com outras cores, com o mesmo sorriso, com o mesmo olhar...
Te amo...
quinta-feira, 26 de novembro de 2009
Ginger e Fred
Gengibre e maionese
Dois bailarinos
E a Ginger se apaixonou pelo Fred
Dois meninos
Marcaram o salão , quadril a quadril
Dois arlequinos
Ginger só aconchego, Fred só diversão
Dois colombinos
Na quarta-feira descobriu-se a farsa,
de Carnaval; seguiram
Dois destinos
segunda-feira, 9 de novembro de 2009
Des-graça
Graciosa,
Sou doce ao paladar,
Moldo ao teu abraço
Frágil ao olhar
Pulverizo sonhos pelos poros
...mas não se aproxime
Tua virilidade me excita
Curvo-me às tuas palavras
Abro-me para tua entrada
Vigorosa, maldita, contravertida
Sombria, satânica
Não se aproxime!
Te acolho, me molho, teu molho
Enfeitiço teu mundo, vasto mundo
Anseia mas não ousas escapar
Não me bastas, te tenho
Enfadonho, te mantenho
Não ouse!
Te castro
Espana-se-me
Não se encaixa mais
Não me interessa mais
Sem graça
quinta-feira, 5 de novembro de 2009
3 momentos
A gente não sabe o que vai acontecer
Quando irá sofrer
Quando começa e quando acaba
Quando a chama arde e quando se apaga
Se chove lá fora ou se brilha
a luz que dentro de mim alumia
um sorriso gostoso
um olhar calda de chocolate
um esmalte, escarlate
que me encanta te encantar
Momento 2: a espera/ "Quando ele vier"
Quando você me quiser:
que não demore
que não seja pouco
que não seja oco
que seja doce, como de coco
Quando você vier
estarei sentada, deitada ou em pé
Me toque, mas não me açode
Me alegre, mas não me adoce
Na pista ou no interior do quarto
No agito ou no regaço
do teu abraço
Fecho os olhos agora:
o teu amor, quando ele vier
Momento 3: a desilusão/ "Era sonho"
era sonho e se acabou
era sonho quando você me abraçou
me levantou e me fez voar
acordei e você não pode ficar
nestes caquinhos de catar
estilhaços a despedaçar
a desperdiçar
as entranhas da manhã
sábado, 31 de outubro de 2009
Kairós
Marilena Chaui in "Os Sentidos da Paixão"
Nossa despedida foi como teria que ser. Em movimento, passageiros e passagens para todo lugar, palavras irreconhecíveis soltas no ar, tristeza, alegria, encontros, desencontros e despedidas.
Nesta fotografia, o nosso túnel salta aos olhos,
.O som abafado,
.Vc encostado na entrada do vagão do trem que parte,
.Eu subindo na escada rolante com a mochila nas costas, jeans, uma rosa na mão e o olhar no teu. Comprovei que a imagem não se apaga com a enxurrada de lágrimas. Mas por quanto tempo sobrevive este olhar? Este cheio de ternura, nítido, denso, carregado de paixão, que surge quase sem querer?
Ainda tínhamos todo o tempo pela frente, e para ele confiamos nossa vida.
Seguimos nosso caminho sempre do melhor jeito possível. Tentávamos burlar a realidade nos momentos atemporais e ectópicos, trazendo o olhar de volta aos nossos olhos - quem sabe nos esbarrássemos?
.Voltou ao nosso canto e não me encontrou,
.Escutava uma música e não te trazia ao meu lado,
.Assistíamos ao filme em universos paralelos: aquele olhar na tela, no enredo, nos personagens, na literatura, na música... As lágrimas sempre tentam lavá-lo - ou perpetuá-lo?
O acaso enfim te traz para o meu mundo, real demais para destemer a resposta da vida construída ameaçada: "o medo que esteriliza os abraços". Não tive coragem. Não escutei meu coração. Fechei meus olhos para nada mais ver...
Continuamos seguindo em caminhos supostamente divergentes, forçados por palavras sombreadas por um afeto transviado. O silêncio fechou também seus olhos e o coração.
Mas o olhar insistia em nos instigar... Aparecia quase sem querer! Numa conversa, num revirar de olhos, num suspiro, no meio do trânsito, num escape!
E numa benfazeja oportunidade, cruzamos nossas palavras! Palavras soltas, palavras claras, palavras ariscas... um petisco! Pouco a pouco, engolem o tempo dos homens. No nosso espaço e tempo divino, soltamos as rédeas e extravasamos o afeto destemido que embebe e acolhe aquele olhar. Confissões e lembranças num crescente que aquecem meu corpo que anseia pelo teu. Deslizamos nosso desejo sob a sintonia ritmada do prazer. De início tímido, desavergonhadamente quebra as pilastras morais e alcançamos o coração!
Assim, plenos, destemidos, agarramos o tempo com as unhas! Enfim, de alma livre, seguimos com a sensação da participação no infinito.
sexta-feira, 23 de outubro de 2009
Estereograma
da rede plana
de unidades online,
pontinhos verdes correm
de casa em casa,
ambiente em ambiente,
letra por letra,
alma por alma.
Não se reconhecem os corpos,
não se toca, nem se acaricia,
não se enxerga a ternura no olhar
nem se escuta a respiração ofegante,
a fala trêmula...
Eis que surge teu relevo,
o contorno do teu olhar míope
que refrata nos detalhes
do encanto entre minhas palavras,
espaços repletos de
cuidado,
assombro,
rendição ao
indelével afeto
Quanto mais esculpo tua forma
maior a vontade de te abraçar,
acariciar, invaginar
De minha alma brotou
E nela te recolho
quinta-feira, 15 de outubro de 2009
Cosmos
Admit impediments. Love is not love
Which alters when it alteration finds,
Or bends with the remover to remove:
O no; it is na ever-fixed mark,
That looks on tempests, and is never shaken;
It is the star to every wandering bark,
Whose worth´s unknown, although his height be taken
Love´s not Time´s fool, though rosy lips and cheeks
Within his bending sickle´s compass come;
Love alters not with his brief hours and weeks,
But bears it out even to the edge of doom.
. If this be error and upon me prov´d,
. I never writ, nor no man ever lov´d.
Verdadeiras se afeiçoam. O amor inexiste
Quando se altera por qualquer motivo,
Ou se curva sob o ímpeto apressado:
Ah não! É um olho inabalável,
A mirar as tempestades, sem se alterar;
É a estrela-guia de todo barco à deriva,
Cujo valor se desconhece, embora alta viva sobre o mar.
O amor não serve ao Tempo, embora suas róseas faces e lábios
Curvem-se ao arco de sua longa foice;
O amor não se altera com suas breves horas e dias,
Mas sustenta-se firme até o fim das eras.
Se tudo que eu disse se provar um engano,
Jamais escrevi, nem amou qualquer humano.
E surge sua voz que me abduz! Palavras aconchegantes, calor familiar, sotaque d e l i c i o s o... Em algum lugar em constante movimento, a lua e a estrela acompanham nossa conversa desenfreada: aventuras, experiências, expectativas, incertezas, o sonho de uma vida porvir - e quem diria que era justamente aquele momento o maior dos sonhos... Sem nos dar conta, o sol emite a luz que aquece o corredor do trem. Pouco a pouco, a mágica do movimento esvaece e o destino nos alcança.
Exausta da errância, resolvo seguir seus passos. Quero me fartar de lar. Entro no seu olhar e sinto seu desejo de abocanhar o mundo. Assim me fagocita. Quer minha pele macia, minhas curvas de destino incerto, minhas entranhas que assombram e perseguem a luz. Desliza no calor úmido que escorre pelas pernas... Assim quer mais, sempre mais e penetra no fundo do meu ser. Ex-siste, in-siste, e no rítmo desta dança cada vez mais frenética, explodimos nossos sentidos que espalham quasares no caos. Neste momento repleto de imagens na penumbra, acolhemos a infinidade de estrelas que habitam nosso cosmos.
... e nada poderia ser mais verdadeiro!
segunda-feira, 5 de outubro de 2009
Purpurina
Desculpa se não te sigo
Quero te ver florescer
... não me permito te esquecer
Te quero gigante
e quanto maior se faz teu mundo
mais me instiga
mais te desejo
Te quero livre
e quanto mais alto voa
mais me fascina
mais me alucina
Assim me abraça
Assim me laça
Capta meu Ser
... impossível te esquecer
sábado, 26 de setembro de 2009
Sol de primavera
Meus dias continuam ensolarados, experimento o calor do sol com intensidade progressiva... A cada noite, meu espírito anestesiado vaga pelas quebradas cada vez mais sinuosas, e espreita meu corpo que flui... como uma corredeia... atropela outros corpos, gelados e úmidos como o meu. Sacia a sede e a fome daquele instanste escuro.
E passa...
O corpo sente, brilha e, enfim, ofusca a dor da alma. Não há hipófise cartesiana capaz de unir Corpo e Espírito.
Armo minha teia, emaranhado cada vez mais repleto e complexo. Na penumbra, os corpos errantes que vagam sem rumo fascinam-se e seguem embriagados a luminosidade do desafio das minhas curvas - irresistível queda. Desejam meus olhos e nem percebem que não me encontram. São passagem, sou passagem.
Assim chega. Para pernoite. Caixeiro viajante, escuto a voz pausada de quem segura o tempo. Traz-me à terra. Corpo, flúido por hábito, quer vazar, apressar as tarefas antes da aurora. Prova minha umidade e toca em pontos exatos que me permitem jorrar. Neste rítmo pretendo fluir, intensa, desenfreada. Mas finca-me, fundo, em anzol que me prende pelo prazer.
Espírito, sempre à espreita, não resiste ao aconchego da atmosfera que se diverte com as sentenças claras que a natureza nos mostra, e a vala sombria que se forma quando nos propomos a entendê-la. Rende-se. Rendo-me.
Meu corpo guarda teu prazer, e nele o espírito se aconchega. A experiência do pensamento, o aconchego do espírito, o prazer que se conserva no frasco azul celeste.
Escuto e vejo, ainda no escuro, a frequência respiratória que revela teu sono. Já não sei mais o que estimula meus cones e bastonetes e o que por eles salta. Pouco a pouco observo os primeiros sinais da aurora que invadem o quarto. Já não tenho medo. Sinto a consistência, a presença intensa em mim mesma. Não evaporo mais.
Assim aprendo a esculpir pouco a pouco minha alma. Sinto o movimento tímido das janelas do meu peito que enfim se rendem ao sol da primavera...
domingo, 20 de setembro de 2009
Aposta
Respondeu: lava. Depois pó. Depois nada."
sexta-feira, 18 de setembro de 2009
Ele não quis dar
Ele não deu seu beijinho
seu pezinho, seu cuzinho
Também arrenegou do seu cheirinho
seu peitinho, seu pintinho
Meu amor quero deitar do seu lado
Enquanto você fica lambuzado
Do tanto que eu te encabulei
Tiranos
Meu espírito vaga por isso tudo, enclausurado, sem poder voar. Ao caminhar pelas ruas, avisto pessoas sem rosto, expiro, flutuo com o vento, penetro nos seus pulmões e consigo sentir o que sentem. Consigo então sentir! Por outros corpos, danço com o “vento que traz a rima de viver sem medo”.
O dia insiste em amanhecer cinzento. Nem chuva, nem raio de sol, espelho da minha alma - já não há mais lágrimas. O sorriso se perdeu em algum lugar do velho leste. Não há dor. Nem ternura. Não há calor. Nem frio. Assim me encontra: pérola como carapaça do mais profundo distúrbio na alma. Mas brilha. Seduz. Intrigada, conduz-me ao seu castelo: sombrio, faltante, enfermo. Mas brilha.
Fecha a porta da sua morada e se dirige a mim. Olhar transviado, puxa-me pelos cabelos, rasga minha roupa e se veste no meu corpo trêmulo...ávido. As amarras se dissolvem na umidade que escorre por minhas pernas, e direciono meus lábios para o que lateja na sua frequência cardíaca. Quero te abocanhar. Te sugar até a última gota. Plasmaferese sanguínea, seu prazer enfim corre por minhas veias. Necessito mais! Cansei dos deveres, das obrigações, das decisões. Cansei de me esconder da dor... Eu quero enfim senti-la, aquela que me liberta da minha tirania. Percebe meu olhar submisso, desejante, e joga-me sobre o sofá. Posiciono as almofadas sob meu ventre e aguardo seus movimentos... Desliza cuidadosamente e estira minhas entranhas, que te apertam e te levam ao céu. Enfim sinto meu espírito. Muuuito prazer. A r r e b a t a d o r!! Prossegue seus movimentos, cada vez mais vigorosos. Agarra meu corpo com força, penetra por todos os meus poros, alcança e arranha a minha alma. Sou sua vagabunda preferida... sou... sua!
quarta-feira, 16 de setembro de 2009
A nhaca
não vira caca
quando sai da casca
corrói a terra
feito minhoca
destrói a artéria
feito placa
mancha o dente
é serpente, peçonhenta
praga lazarenta
vê a luz
vira quimera
quem dera!
sábado, 12 de setembro de 2009
"Cuide de você"
Sem chão
Um grão de areia
Alheia, solta no vácuo
Sem horizonte...
Flutuo, mergulho, corro,
danço, elástica, livre!
Alguma coisa falta...
Quero me sentir enlaçada,
Atada aos seus braços
Atrelada ao seu caminho
Escrava do seu mundo.
Quero sentir sua presença...
Não me permito
Não se permite
segunda-feira, 7 de setembro de 2009
Estréia (haicai)
Frio na barriga (diarréia!)
Orelha comprida
pro zumzum da platéia
Esperem da Electra... síncope, sexo, sangue e muito fingimento, pois afinal, por uma boa rima vendemos a mãe e leiloamos os amigos hahaha!
"Interruptio"
a alma arranhada?
Com calma,
desespero,
raiva,
remendos...
Irada, velo
Desesperada, nivelo
Farto-me de
aromas cítricos
sabores picantes
cores fortes
corpos...
Falsa ilusão...
É irremediável
Resta-me a calma,
Inspirar a brisa
que o tempo traz,
Rezar pela erosão
do tecido são
Enfim disfarçada,
Escondo-me
da dor
domingo, 6 de setembro de 2009
Fim
Procuro me lembrar do amor
absoluto, sem espaço para
diferenças ou desavenças
Não consigo!
Ficava a promessa
de plenitude eterna
Mas te perdi...
Por tão pouco, por tanto,
Tanto faz
Lacuna impalpável, imensurável
por vezes infinita
confere a via de mão única.
Míopes, só enxergamos as fotografias
de sorrisos coloridos
Traz saudades do que fomos
Anestesia toda a dor acumulada...
Por tão pouco, por tanto,
Tanto faz
Pérola
Do negro, luz
Do nu, o luxo
O prazer se anuncia
como a única saída
Partida suave
Escória estéril
Ninguém, nem o mais avisado
se aproxima da cor
Do amor
Da flor e do sabor
Da essência
Frágil
Evanescente
Única
Fugaz
Nocaute
Ah, palavras...
Golden Slumbers
Enfim, chego em casa com os pacotes. Coloco um CD da Marisa Monte para cantar alto sem fim e dar um gás no laboratório alimentar. Panelas ao fogo, preparo e enfeito a mesa da cozinha com uma rosa na garrafinha de vidro (diria que tentei antes o girassol, mas só dava ele no pequeno espaço). Escuto o barulhinho da chave na porta da casa, e o efeito é imediato – como pode ainda ser assim? Poças e mais poças, taquicardia, um super sorriso no rosto.
Pulo no seu corpo e afago seus cabelos. Beijos, vários beijos, por todos os lados. Aí sim reparo no seu olhar – vc sabia que sorri pelos olhos? Um sorriso invertido. Pensando bem, é um pouco difícil encontrar seus lábios com o sorriso real no meio de tantos pelos... Já penso em ataques, mas lá vem vc com essa história de banho... Tudo bem, mas agora dou um tempinho e entro também no chuveiro, empresto-lhe minhas mãos para lavar seu corpo, e aproveito as propriedades da pele ensaboada para deslizar sobre nichos especiais. Sinto a redistribuição sanguínea de nossa circulação, e cuido da freqüência e suavidade dos movimentos, cadenciados com o som e a respiração ofegante..
.
O cheiro que caminha da cozinha desperta para o perigo iminente das panelas ao fogo brando. Infelizmente abandono o ambiente e concluo a tarefa – ou felizmente concluo a tarefa e abandono o ambiente?
Enfim, desfrutamos de um d e l i c i o s o jantar. Não posso acreditar que isso foi possível! Como disse, os ingredientes caprichados estão longe de qualquer prateleira do mais refinado empório. Aliás, apesar da busca permanente, são eles que nos acham.
Aquele fogo no olhar profundo. Um campo magnético que puxa meu corpo ao seu colo e cola meus braços no seu pescoço. E recomeça todo aquele desejo...
Anseio o carinho
O tato das mãos
ásperas e áridas de giz
O olhar profundo de quem exige atenção
A voz rouca ao pé do ouvido
de cordas vocais judiadas
pela demanda do conhecimento
Sinto o calor e a umidade
dos teus lábios
Na minha nuca
Nas minhas costas
E um gemido brota do meu peito
Esfrega-te em mim
E faz-me arder
Ardor úmido e quente...
Cada vez mais quente...
Dos minutos se faz horas
e das horas segundos
Perde-se a noção do tempo
Só se sente o desejo de
querer mais...
Muito mais..
Minha boca percorre teu corpo
Encontra nichos que provocam
Sussuros... gemidos...
Como que em prova,
seus componentes exercem movimentos
Cada qual um ponto
na escala do potenciômetro sonoro
Dilícia!
E quer mais...
Muito mais...
Parte-se para quem,
sempre à espera,
Contempla com a sabedoria de que
no crescente desejo
O melhor está no por vir
Devoro-te dentro de mim
Preenche-me
Farta-me
Deixa um fundinho de
quero mais...
Muito mais...
Morta de prazer
Mantém-se o desejo de plenitude
Caminhamos rumo à avenida
de recém dupla-via
Quando as sensações se confundem
Levam à exaustão
Com tamanha força
que o potenciômetro explode!
Daí as palavras
Ah, palavras
Cuidadosamente arquitetam
o restauro lúdico do potenciômetro...
O jogo cadenciado de troca de
palavras...olhares...sussurros...carícias
que querem mais...
Muito mais...
Sempre mais.
E nessa roda de fogo à exaustão, passamos ao sono sem nos dar conta. Abro meus olhos, viro meu rosto para seu lado, e é você quem encontro! Sinto-me mais em casa do que na minha própria casa. Satisfeita, retorno ao sonho dourado e resisto a todo aquele desejo contínuo. Afinal, o dia seguinte é de trabalho árduo. Ainda árduo? Acordo um pouquinho antes do som do despertador e aí sim me entrego totalmente ao desejo.
E sabe do melhor? Não há mais períodos assombrados. Afinal, não há mais gradiente entre sonho e batalha diária.
sábado, 5 de setembro de 2009
GIZ
Pinto o dia colorido,
florido, o céu azul...
Escrevo em negrito
as certezas do meu caminho
Sublinho as tarefas
modestas, para não
fazer barulho...
Persistem ao calorzinho do inverno
ao sopro de vento dos dias quentes
Fluorescem com a lua límpida...
Canto cada vez mais alto,
acordo os deuses e
escondo-me com a tempestade
Os desenhos, feitos de giz
são lavados com a chuva
As certezas, escritas com giz
são levadas pela água
Desidratada, atenho-me
às tarefas modestas
com cautela, sem
fazer barulho...
Dia
Toca o despertador e tento me desligar da noite que passou, combustível para o dia planejado desde o meu nascimento. Acordo as crianças e abro a torneira do chuveiro, aquele que lava o giz. Ainda sinto o cheiro da flor de laranjeira, sua imagem me persegue e procuro o som que carrega as ondas da sua presença. Por uns momentos, esta pequena abertura para o inesperado consegue carregar as cores do giz: a bruma sépia da manhã, a copa magenta da árvore na frente da escola das crianças, o fundo negro do trânsito, e o carro repleto de você. Aquela taquicardia, aquele calor que desce úmido, e uma dor no fundo do meu peito, tamanha a escassez sanguínea. Não sei como encontrá-lo, não posso procurá-lo, não devo sair dos trilhos. O meu futuro é certo e a receita da felicidade já tem todos os ingredientes: casa, carro, família completa, emprego fixo com boa colocação, férias, festas, amigos... É só administrar o tempo... Dia após dia... Fim de semana após fim de semana... Feriado após feriado... Natal e Natal – agora na minha mãe? De novo com minha mãe? Qual a última Barbie? Qual o último filme? Princesa? Plebéia? Rainha das Nuvens? Presentes dos professores... secretárias... primos... tios... avós... Quem é meu amigo secreto? De novo? Ou será que não?
O carrossel gira ininterruptamente, sem falhas. Estou flutuando, seguindo direções e sentidos randômicos, completamente perdidos no tempo, mas certa do previsto. Inspiro fundo e preencho meus pulmões de você. Quero contaminar meu cérebro com sua imagem e sentir seu corpo colado no meu. Quero ao menos acolchoar minha balsa. Chego ao trabalho e rogo pela ausência de pausas: um ato após o outro, sem tempo para deliberações. Tenho medo das escolhas e o resultado obscuro não pode alcançar o fim desejado. Escondida nos meus atos extremamente eficientes, afasto-me cada vez mais do que a vida insiste em me oferecer. O dia prossegue. Segundos... minutos... horas... rumo a um infinito que faz uma curva no limite do perceptível. Afinal, tenho tudo para ser feliz. Mas sinto que o sentido da trajetória aponta, progressivamente e sutilmente, para o retorno. A percepção se evidencia pelas lágrimas que, tontas pela gravidade variável, não conseguem escorrer.
A novidade sempre é a escuridão. Nela encontro a desculpa para deixar meu corpo em repouso, enquanto liberto meu pensamento e meus sentidos, agora sim infinitos. Passeio pelos ambientes, pelo espaço e pelo tempo. E procuro vivenciar cada momento da juventude, época em que o brilho dos meus olhos não era reflexo externo, e sim aquele da ansiedade da dúvida e da incerteza do mundo porvir. Da vontade de agarrar cada momento inesperado que a vida oferecia. Parecia uma propriedade do momento e a angústia ficava INSUPORTÁVEL por saber que estava presa no passado. Área proibida! Proibido se pensar no tempo...
A lua se escondeu e não consigo nos encontrar. Que meu pensamento caminhe até você... Posso até sentir o barulho da sua respiração, a caixa torácica se expandindo num corpo tão gelado. Eu quero que meu sangue o aqueça, quero inundá-lo até quase explodir. Sento no seu volume e sinto-o vibrante. Uma saudade de nós... Abraço com ternura e paixão, aquela tão escondida que nem ao luar aparece. Nossas mãos iniciam aquela coreografia perfeitamente sincronizada: harmonia, ritmo, arrepios, zumbidos no ouvido, sussurros, redistribuição sanguínea... um calor embriagante! Muito calor! Suas mãos percorrem minhas pernas e rapidamente chegam à fonte, ávida por contato. Molho seus dedos e estes avançam, explorando minha caverna úmida. Respiro fundo e me concentro sobre cada mínimo movimento seu. Sua habilidade é louvável e, por mais que me segure, as contrações se iniciam... Livro-o do excesso de tecido e sinto você entrando em mim devagarzinho... Os movimentos instintivos para tentar saciar tamanho prazer prosseguem devagar, captando cada estímulo nas regiões hiperexcitáveis. Vem aquele zumbido no ouvido... Contrações de difícil discernimento (de onde exatamente elas vêm?)... O desejo não cede! A mente pede mais. Pede mais luxúria. Pede o extremo prazer. Você sabe de tudo, e se direciona para aquele que quer mais! A sensação animal, violenta do prazer sem limites. Estoura todas as rédeas, as pilastras morais... É a liberdade no seu sentido mais sublime e etéreo... Quero largar meu corpo pelo dia, meu calor não lhe pertence. Meu sangue já não me aquece. Não me pertence. Agora sim sou sua. Vago em você, com você, pleno, infinito. Pra que se pensar no tempo?
Noite
Abro a porta da sala, tateio o interruptor “de prima”. Vislumbro a mesma fotografia: camisa largada sobre o sofá com os mesmos vincos, os livros abertos nas mesmas páginas, dispostos na mesma seqüência. Meu olhar procura um instante de movimento durante minha ausência. Torço para encontrar um papelzinho no chão, carregado pelo vento. Ligo a TV- meus ouvidos procuram estímulo - minhas cordas vocais vibram junto ao som do violão, meu corpo procura o calor, quero mergulhar no seu cheiro de flor de laranjeira. Preciso ver o reflexo do sol. Mas o que fiz da minha vida? O tempo passou tão rápido e volto ao ponto de partida. Não encontro seus sinais. As mesmas pessoas, as mesmas piadas, a mesma 2ª feira que pula para a 4ª feira e vem o fim de semana interminável. E o que será do próximo ano? O mesmo que o ano passado. Procuro as músicas... O ritual de cada estação... Como pode ter as mesmas cores? Uma eternidade de atos contínuos que prometem mudar na linha do horizonte...
Preciso abrir as janelas e sentir a cor das estrelas. Assim como o brilho caminha aos meus olhos, posso por ele nelas chegar. Escuto o som do vento, frente ao movimento de escape tão desesperado... E se, para lá posso chegar num instante, chego também em qualquer janela que se abra para mim. Sei que me espera. Pequena, frágil, com o olhar na lua. Minhas mãos frias e úmidas se aquecem na sua pele macia. Detenho-me nas nuances das curvas, enquanto escuto sons igualmente macios. Aquece-me enquanto meu sangue é atraído para as regiões em que sinto a umidade e seu calor... Meu pensamento, desprovido de nutrientes, flutua e se descola de mim. Enfim! Posso agora limitar-me às sensações. O que resta nos meus giros cerebrais caminha para os órgãos do sentido e carrego então seu cheiro, a tez aveludada, gemidos, e me movimento afinado ao seu prazer. Seu contorno delimitado pelo luar lembra a sombra de quem suguei em troca de um amor infinito que nunca consegui alcançar. A culpa e a tristeza pelo descompasso se escondem então nas aferências das sensações. Procuro sua nuca e sugo enquanto a inundo com minhas dores passadas. Insaciável, inoculo todas as áreas que se oferecem e sinto suas contrações que me espremem à última gota, fluxo em que se esvaem todos os pensamentos que poluem e mascaram minhas decisões. Leve, bem leve, flutuo na onda das luzes das estrelas e me rendo ao dia que chega.
quinta-feira, 3 de setembro de 2009
Vampiro
Ela, pequena, delicada, formosa, lépida, pensamento e palavras rápidas, canto e riso espontâneo, uma aparente alegria de dia sempre ensolarado. Fugaz... "Fullgás" de fragilidade explosiva. Quem teria coragem de quebrar esse encanto? Dava medo de chegar perto...
O fascínio pelo que não temos sempre nos persegue... Ela uivava para a lua. Ele amava o calor e o aconchego do sol.
Içados pela melodia de sons consonantes, um golpe de vista, míope, velado, marca o eletromagnetismo do olhar... Nunca mais se livrariam deste momento. Para todo o sempre...
Passa-se o tempo, no entraesai de estórias... coloridas... sépia... magenta.... anil... branca... negra... E esbarram-se no meio da rua movimentada de uma cidade grande. A chance? Talvez uma em zilhões. Deixaram passar o primeiro embate, tempos atrás - "a vida é a arte do encontro embora haja tanto desencontro pela vida". Imperativo corrigir, frente à nova chance do acaso...
E assim prossegue a história: caminhavam pela Av. Paulista, à noite, torre à vista... Um friozinho e uma brisa... Sentem o toque das mãos e se lembram do sino da faculdade de onde contemplavam as estrelas, tão próximas... o mundo diante da juventude e nem se davam conta, tamanha a ansiedade por ser alguém. Por um momento conseguem se esquecer dos últimos anos, das últimas dores, da sensação de algoz, da sensação de que o amor não basta... As estrelas, escondidas, ficam realmente próximas e iluminam os corpos. Em chamas, com o desejo de levitar e chutar para longe toda a tristeza, submetem a massa encefálica aos caprichos das sensações - arco reflexo simples com uma passadinha pelo sistema límbico... Gosto, tato, audição, olfato... e o olhar... O olhar fantasiado pela leve penumbra da noite estrelada do sino da faculdade. O músculo ciliar ainda permite fixar o brilho dos olhos, e nele se enxergam. Mergulham nesta imagem, tão clara, singela, inocente, pura. Encontram-se no sorriso, também jovem e sem desvios. Assim são e assim estão neste momento: atemporais, sem passado ou futuro, sem mundos ou submundos. A sintonia se apossa do prazer e por ele se movem. Dançam no ritmo da volúpia, ora acelerados, ora devagarzinho, dorso-ventral, ventro-ventral, látero-lateral... Sempre compassados. As torres iluminadas pela noite. E sabem que assim deve ficar. É um estado que pertence à penumbra, só nela esquecem a noção do tempo e só nela se permite a visibilidade do brilho das estrelas. Só assim o brilho pode continuar no olhar, aí sim independente do dia ou da noite, do passado ou do futuro. Mágico.
Passam-se os dias. As estórias paralelas prosseguem, cada qual com sua tonalidade e particularidade de sons e sentidos estimulados ou suprimidos. A magia persiste... Ele persegue o calor e o aconchego do sol. Ela uiva para a lua. Auto-condenado vampiro, ele receia apagá-la... A vontade de sugar seu sangue o consome, mas o que fazer com um ser solar na penumbra? Tão frágil, tão delicada. E ela precisa do brilho noturno da lua e das estrelas. Precisa do escape, já está farta do protetor solar. Está farta da vida de repetições passadas. Precisa de sangue novo: exsanguíneo transfusão, plasmaferese, o diabo. Precisa mudar a cor do sangue - cansou-se do rubro, quer se inundar de sangue branco... Mas sabe da incompatibilidade dos mundos: não pode se livrar do sol e não daria conta de passar protetor solar em mais ninguém.
Mal ele sabe que só um vampiro suportaria a magia atemporal sem mundos ou submundos. Mal ela sabe que só um ser solar que uiva para a lua poderia aquecer um vampiro.
Convite
que a vida me apresenta
Atenta, caminho
à beira do abismo.
Avisto o infinito
que o meu ser acalenta
Esquenta, estiro meu corpo
e me atiro.
Flutuo
Afundo
Elevo-me
Pairo na sublime
brisa do acaso
E te convido
a derrapar nas minhas curvas,
penetrar nas minhas entranhas,
nos perder no obscuro
labirinto do meu ser
Meu sabor
tua seiva
palavras articuladas,
o tempero da vida
Por um triz
Situação branca, branda
Brinquedo de criança
Cansa a rotina,
Neblina, mas tudo bem
Vem a mim, absorvo, me acomodo
De um modo ou de outro sofro
Nada a cada neblina,
Mas tudo bem
Chega nossa hora, chora
Chama-os não adianta
Canta a tua música
Vai, aparece!
Merece a cada momento
O tempo que corre
E a neblina?
Já não tem!
Pode-se dizer que Descartes foi o símbolo do pensamento racional ao duvidar da existência de tudo o que nossos órgãos do sentido são capazes de captar, conservar e se pautar pela única certeza possível: o pensamento e toda a “construção racional” de uma estrutura capaz de nortear a vida.
Deste modo, construímos o túnel da nossa existência. A neblina aparece, mas seguimos em frente. E parece ficar tudo bem: um dia depois do outro, trabalho, casa, contas, fim de semana, férias, feriados... e continuamos no túnel seguro que chega em algum lugar. Afinal, o túnel fica cada vez mais confortável: mobiliado, habitado, carro do ano, diplomas na parede, teses de mestrado e doutorado defendidas... Mal se tem consciência a que custo a secularização mantém o túnel armado, único e estável.
Mas as neblinas continuam a aparecer. E começam a perturbar... Aí, meu caro, a percepção por um triz de uma janela aberta, e a observação de um jardim florido, ou o barulho do mar, ou o silêncio absoluto da neve, ou o cheiro de jasmim; começam a desmoronar anos-luz de concreto armado, receitinha de família que sempre deu certo (?). Não se pode dizer que não seja um momento de graça. Um momento em que contemplamos o BEM-platônico através do BELO transparente.
Cosmos:
Apesar de infinito em extensão e em matéria perceptível e imperceptível, cada corpo interage de acordo com sua própria Natureza, e daí advém uma certa Justiça Universal. E para nós, pobres mortais de existência finita? Resta-nos a consciência da própria finitude num mundo infinito. A vida nos oferece e nos mostra o Cosmos: as janelas se abrem e fecham num nanômetro de segundo. Seguimos nossa própria Natureza ao percebermos estes momentos e, diante de uma escolha praticamente aristotélica, mergulharmos ou não. Por um triz. Estamos aqui por um triz. Aí sim cheios de graça. Aí sim generosos.