sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Tiranos

As coisas já não vão bem. Quando a noite se aproxima sei que nem ela consegue ser minha. Preciso dividir meu tempo, preciso abrir minha intimidade. Meu corpo não é mais meu. Respiro fundo. A cada inspiração, inspiro-me no infinito que ainda existe. Meu espírito por ele vaga enquanto empresto meu corpo ao casamento. As funções. O amor construído com tanto carinho. Feito de festas de aniversário, fim de semana no sítio, chegadas com o abraço das crianças gritando e pulando de alegria. Os quadros na parede. Televisão ligada com o barulhinho do Discovery Kids... Geladeira repleta de substâncias escolhidas com esmero e perfeição. Cheirinho de feijão na panela. Tudo para que sempre caminhamos. Telefonemas para ajustes finos da falta ou excesso de ingredientes na família. O dizível. O palpável. O que importa.

Meu espírito vaga por isso tudo, enclausurado, sem poder voar. Ao caminhar pelas ruas, avisto pessoas sem rosto, expiro, flutuo com o vento, penetro nos seus pulmões e consigo sentir o que sentem. Consigo então sentir! Por outros corpos, danço com o “vento que traz a rima de viver sem medo”.

O dia insiste em amanhecer cinzento. Nem chuva, nem raio de sol, espelho da minha alma - já não há mais lágrimas. O sorriso se perdeu em algum lugar do velho leste. Não há dor. Nem ternura. Não há calor. Nem frio. Assim me encontra: pérola como carapaça do mais profundo distúrbio na alma. Mas brilha. Seduz. Intrigada, conduz-me ao seu castelo: sombrio, faltante, enfermo. Mas brilha.

Fecha a porta da sua morada e se dirige a mim. Olhar transviado, puxa-me pelos cabelos, rasga minha roupa e se veste no meu corpo trêmulo...ávido. As amarras se dissolvem na umidade que escorre por minhas pernas, e direciono meus lábios para o que lateja na sua frequência cardíaca. Quero te abocanhar. Te sugar até a última gota. Plasmaferese sanguínea, seu prazer enfim corre por minhas veias. Necessito mais! Cansei dos deveres, das obrigações, das decisões. Cansei de me esconder da dor... Eu quero enfim senti-la, aquela que me liberta da minha tirania. Percebe meu olhar submisso, desejante, e joga-me sobre o sofá. Posiciono as almofadas sob meu ventre e aguardo seus movimentos... Desliza cuidadosamente e estira minhas entranhas, que te apertam e te levam ao céu. Enfim sinto meu espírito. Muuuito prazer. A r r e b a t a d o r!! Prossegue seus movimentos, cada vez mais vigorosos. Agarra meu corpo com força, penetra por todos os meus poros, alcança e arranha a minha alma. Sou sua vagabunda preferida... sou... sua!

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