quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Vampiro


Ele, alto, esguio, traços delicados, fascinante, pouco riso, um certo olhar tristonho de quem não pertence muito a este mundo. Cavaleiro solitário, por vezes se escondia nos pseudópodes de uma mulher. Fagocitado, fagocitava, sorriso-monalisa-íntimo, mas poucas palavras. Alguma coisa, lá no fundo, segurava o riso solto.
Ela, pequena, delicada, formosa, lépida, pensamento e palavras rápidas, canto e riso espontâneo, uma aparente alegria de dia sempre ensolarado. Fugaz... "Fullgás" de fragilidade explosiva. Quem teria coragem de quebrar esse encanto? Dava medo de chegar perto...

O fascínio pelo que não temos sempre nos persegue... Ela uivava para a lua. Ele amava o calor e o aconchego do sol.
Içados pela melodia de sons consonantes, um golpe de vista, míope, velado, marca o eletromagnetismo do olhar... Nunca mais se livrariam deste momento. Para todo o sempre...

Passa-se o tempo, no entraesai de estórias... coloridas... sépia... magenta.... anil... branca... negra... E esbarram-se no meio da rua movimentada de uma cidade grande. A chance? Talvez uma em zilhões. Deixaram passar o primeiro embate, tempos atrás - "a vida é a arte do encontro embora haja tanto desencontro pela vida". Imperativo corrigir, frente à nova chance do acaso...

E assim prossegue a história: caminhavam pela Av. Paulista, à noite, torre à vista... Um friozinho e uma brisa... Sentem o toque das mãos e se lembram do sino da faculdade de onde contemplavam as estrelas, tão próximas... o mundo diante da juventude e nem se davam conta, tamanha a ansiedade por ser alguém. Por um momento conseguem se esquecer dos últimos anos, das últimas dores, da sensação de algoz, da sensação de que o amor não basta... As estrelas, escondidas, ficam realmente próximas e iluminam os corpos. Em chamas, com o desejo de levitar e chutar para longe toda a tristeza, submetem a massa encefálica aos caprichos das sensações - arco reflexo simples com uma passadinha pelo sistema límbico... Gosto, tato, audição, olfato... e o olhar... O olhar fantasiado pela leve penumbra da noite estrelada do sino da faculdade. O músculo ciliar ainda permite fixar o brilho dos olhos, e nele se enxergam. Mergulham nesta imagem, tão clara, singela, inocente, pura. Encontram-se no sorriso, também jovem e sem desvios. Assim são e assim estão neste momento: atemporais, sem passado ou futuro, sem mundos ou submundos. A sintonia se apossa do prazer e por ele se movem. Dançam no ritmo da volúpia, ora acelerados, ora devagarzinho, dorso-ventral, ventro-ventral, látero-lateral... Sempre compassados. As torres iluminadas pela noite. E sabem que assim deve ficar. É um estado que pertence à penumbra, só nela esquecem a noção do tempo e só nela se permite a visibilidade do brilho das estrelas. Só assim o brilho pode continuar no olhar, aí sim independente do dia ou da noite, do passado ou do futuro. Mágico.

Passam-se os dias. As estórias paralelas prosseguem, cada qual com sua tonalidade e particularidade de sons e sentidos estimulados ou suprimidos. A magia persiste... Ele persegue o calor e o aconchego do sol. Ela uiva para a lua. Auto-condenado vampiro, ele receia apagá-la... A vontade de sugar seu sangue o consome, mas o que fazer com um ser solar na penumbra? Tão frágil, tão delicada. E ela precisa do brilho noturno da lua e das estrelas. Precisa do escape, já está farta do protetor solar. Está farta da vida de repetições passadas. Precisa de sangue novo: exsanguíneo transfusão, plasmaferese, o diabo. Precisa mudar a cor do sangue - cansou-se do rubro, quer se inundar de sangue branco... Mas sabe da incompatibilidade dos mundos: não pode se livrar do sol e não daria conta de passar protetor solar em mais ninguém.

Mal ele sabe que só um vampiro suportaria a magia atemporal sem mundos ou submundos. Mal ela sabe que só um ser solar que uiva para a lua poderia aquecer um vampiro.

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