domingo, 6 de setembro de 2009

Golden Slumbers

São 17:00 e o último paciente aguarda na sala de espera. Dia cheio, muitas histórias, poucas doenças. A arte de cativar, captar a essência da história, selecionar sintomas, esperar pelos sinais e encontrá-los no exame físico. Tudo em 15 minutos. Dá para ficar de mau humor? Que nada! É tudo ótimo! É tudo divertido! O dia de branco está acabando e vou ao supermercado. A D O R O pensar no jantar. Vinho tinto chileno (mais fácil acertar?). Ingredientes especiais que deixam o trivial caprichado. Como se fosse necessário o verdadeiro açafrão obtido pelo pistilo da flor-da-aurora para uma deliciosa Paella, ou então o aceto balsâmico envelhecido por pelo menos 25 anos para enriquecer o sabor de um molho divino, tal e qual sempre pensei. Ah se na juventude eu soubesse qual o verdadeiro tempero da culinária caprichada...

Enfim, chego em casa com os pacotes. Coloco um CD da Marisa Monte para cantar alto sem fim e dar um gás no laboratório alimentar. Panelas ao fogo, preparo e enfeito a mesa da cozinha com uma rosa na garrafinha de vidro (diria que tentei antes o girassol, mas só dava ele no pequeno espaço). Escuto o barulhinho da chave na porta da casa, e o efeito é imediato – como pode ainda ser assim? Poças e mais poças, taquicardia, um super sorriso no rosto.

Pulo no seu corpo e afago seus cabelos. Beijos, vários beijos, por todos os lados. Aí sim reparo no seu olhar – vc sabia que sorri pelos olhos? Um sorriso invertido. Pensando bem, é um pouco difícil encontrar seus lábios com o sorriso real no meio de tantos pelos... Já penso em ataques, mas lá vem vc com essa história de banho... Tudo bem, mas agora dou um tempinho e entro também no chuveiro, empresto-lhe minhas mãos para lavar seu corpo, e aproveito as propriedades da pele ensaboada para deslizar sobre nichos especiais. Sinto a redistribuição sanguínea de nossa circulação, e cuido da freqüência e suavidade dos movimentos, cadenciados com o som e a respiração ofegante..
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O cheiro que caminha da cozinha desperta para o perigo iminente das panelas ao fogo brando. Infelizmente abandono o ambiente e concluo a tarefa – ou felizmente concluo a tarefa e abandono o ambiente?

Enfim, desfrutamos de um d e l i c i o s o jantar. Não posso acreditar que isso foi possível! Como disse, os ingredientes caprichados estão longe de qualquer prateleira do mais refinado empório. Aliás, apesar da busca permanente, são eles que nos acham.
Aquele fogo no olhar profundo. Um campo magnético que puxa meu corpo ao seu colo e cola meus braços no seu pescoço. E recomeça todo aquele desejo...

Anseio o carinho
O tato das mãos
ásperas e áridas de giz
O olhar profundo de quem exige atenção
A voz rouca ao pé do ouvido
de cordas vocais judiadas
pela demanda do conhecimento

Sinto o calor e a umidade
dos teus lábios
Na minha nuca
Nas minhas costas
E um gemido brota do meu peito

Esfrega-te em mim
E faz-me arder
Ardor úmido e quente...
Cada vez mais quente...

Dos minutos se faz horas
e das horas segundos
Perde-se a noção do tempo
Só se sente o desejo de
querer mais...
Muito mais..

Minha boca percorre teu corpo
Encontra nichos que provocam
Sussuros... gemidos...
Como que em prova,
seus componentes exercem movimentos
Cada qual um ponto
na escala do potenciômetro sonoro
Dilícia!
E quer mais...
Muito mais...

Parte-se para quem,
sempre à espera,
Contempla com a sabedoria de que
no crescente desejo
O melhor está no por vir
Devoro-te dentro de mim
Preenche-me
Farta-me
Deixa um fundinho de
quero mais...
Muito mais...

Morta de prazer
Mantém-se o desejo de plenitude
Caminhamos rumo à avenida
de recém dupla-via
Quando as sensações se confundem
Levam à exaustão
Com tamanha força
que o potenciômetro explode!

Daí as palavras
Ah, palavras
Cuidadosamente arquitetam
o restauro lúdico do potenciômetro...
O jogo cadenciado de troca de
palavras...olhares...sussurros...carícias
que querem mais...
Muito mais...
Sempre mais.

E nessa roda de fogo à exaustão, passamos ao sono sem nos dar conta. Abro meus olhos, viro meu rosto para seu lado, e é você quem encontro! Sinto-me mais em casa do que na minha própria casa. Satisfeita, retorno ao sonho dourado e resisto a todo aquele desejo contínuo. Afinal, o dia seguinte é de trabalho árduo. Ainda árduo? Acordo um pouquinho antes do som do despertador e aí sim me entrego totalmente ao desejo.
E sabe do melhor? Não há mais períodos assombrados. Afinal, não há mais gradiente entre sonho e batalha diária.

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