domingo, 29 de julho de 2012

Conexão ao real

Esta semana fiz uma tremenda descoberta!
Até gosto de correr, mas faço mais por obrigação. Os segundos na esteira parecem horas! A contagem regressiva é terrível - parece que o tempo-desejo está sempre além do tempo real. Um sério descompasso de tempo interno e externo.
Isso parece evidente. Afinal, a noção de tempo, de causalidade, como já coloquei em outros posts, não existe na nossa consciência. O pensamento voa loooonge, numa velocidade descompassada. Enquanto ainda estamos no início da trajetória real, já vislumbramos todo o percurso e a chegada.

Procuro correr com música. Passa o tempo. Mas mesmo escutando-na, o descompasso com o tempo real ainda existe. Afinal, o danado do pensamento persiste e continua alçando vôo.

Aí me lembrei que invariavelmente canto durante as cirurgias. Melhora a ansiedade, desconexo o fim almejado e passo a me concentrar somente no próximo passo...

É, o raciocínio impertinente atrapalha pacas.

Neste instante, a bateria do shuffle acabou. Bateu um leve desespero, afinal, ainda estava na metade do treino...

Respirei...

Pensei na música do Chico que parou no meio - acho que era aquela "já conheço os passos desta estrada, sei que não vai dar em nada, seus segredos sei decór"...

E passei a cantá-la! Não a imaginar a canção, mas a cantá-la de fato, combinando com a respiração, os passos, e tals.

E sabe que deu super certo! Minha cabeça não mais me sacaneava! Eu estava exatamente no segundo real.

Aí me dei conta de que existem algumas atividades (digo eferências) que nos conectam ao mundo real.
Cantar... e pensar somente na próxima estrofe da canção...
Talvez alguns rituais também, qdo feitos com a consciência plena. Ikebana, a cerimônia do chá, tricot, montar aqueles modelos da Revell...
De certa forma, conectam-nos ao mundo real. Ou, dá um descanso do racional impertinente naquele momento em que tenta nos trapacear.

Enfim, preciso pensar melhor nisso. Mas por aqui, basta a experiência que agora levo adiante - correr cantando!

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Castelo de cartas sobre uma embarcação flutuante

Divorciada. 2 filhos. Excelente profissional. Sem frescuras. Amiga. Inteligente. Linda. Porreta. A idade? Ninguém sabe e ninguém advinha. Cheio de homem ao redor, mas não se apaixonava há tempos. E a ternura lhe é peculiar, quer sim alguém "para compartilhar a vida".

Ela conheceu um cara que lhe deu a maior canseira! Conversavam, amassos deliciosos, e naaaada. Intrigava - será que o cara era gay? Mas não levava jeito, a pegada era boa.
Depois de meses, enfim foi visitá-lo - ele não morava em SP. Conheceu o lar e o entorno do rapaz: casa, amigos, plantação de favas, MÃE... e enfim certificou-se de que o cara realmente não era gay. Compartilharam a vida dele naqueles 3 dias, como o que ela tto procurava.

Ela se apaixonou! Se era verdade ou não, agora não dá para saber. Mas ficou completamente envolvida.
Voltou para casa, e me ligou irritada pq queria parar de pensar no cara. Aquilo estava atrapalhando sua vida, suas tarefas, trabalho... Afinal, estava hiper confusa: o cara não dava certeza de nada.
- Onde ela se encaixava na lista de prioridades dele?
- Existiam prioridades na vida dele? Amigos e MÃE eram importantes? Ela os conhecia, logo, ela era importante?
- Pô, se ela era importante, por que ele não a procurava? Não faziam planos? Onde ela se situava na vida dele?

Já passei por isso. Mas do outro lado. Cobravam-me "um lugar".

Por que é tão difícil confiar no que o casal experiencia? Ou seja, por que a dúvida de que é bom demais ficar com o outro? Que não há aquele comichão de nem querer ver o cara no dia seguinte? Quando se dorme de conchinha por mais que 15 minutos e é gostoso? Quando se tem vontade de contar todas as besteiras que se passam pela cabeça? E nem se tem vergonha de mostrar as inseguranças, fraquezas, bobeiras, ranhetices e manias, aliás, nem se pensa nelas, simplesmente surgem e passam despercebidas entre um olhar, uma palavra e um gesto...

Não há lugar. Não se coloca demanda ou funções na relação. Não se denomina o outro como "namorado" ou "marido" ou "amigo"... Não há passos do tipo: conhecer os amigos, a família, os filhos, a MÃE... A casa, o telefone, o trabalho, o habitat.

Há tanta gente presa nisso tudo sem afeto... Uma vida de deveres, o que se chama de "responsabilidade". Como se isso bastasse para segurar qualquer coisa. É uma espécie de materialização do afeto: os atos, as funções, os nomes, a aliança no dedo direito ou esquerdo, o contrato... Os "filhos" da relação. Mas não se pode confundir com o amor, o que gerou (se gerou) tudo isso.

Mas há pior! Há quem pegue os "filhos" que nem foram gerados pela relação, mas pela própria cabeça. Uma esporulação. Impõe uma série de esporos (atos/funções/nomes/planos) advindos pela expectativa do que seria um casamento perfeito, na relação. Um castelo de cartas sobre uma embarcação flutuante...

Como sempre, inspirada por Foucault, vejo a verdade na ética dos afetos como fundamental.

Nesta trilha, de novo, há que se confiar na essência da experiência vivida entre o casal. Só.

Minha amiga me ouviu, entre o olhar virando para o teto, os gestos, o brilho da pele... Depois de 2 dias me procurou novamente:
"- Quando vc me disse aquilo tudo, a ficha caiu. Minhas expectativas e procura pelo amor, fizeram-me encaixá-lo no meu "anúncio de jornal": fiz preencher todos os pré-requisitos do que procuro. Entretanto, esta certeza do afeto, da confiança, do conforto, que fez vc brilhar enquanto falava... não temos. Não vivemos isso naqueles 3 dias, embora eu tenha feito parte da vida dele."

Acredito que quando já conquistamos o nosso habitat, ou, a infraestrutura do que consideramos uma vida saudável - basicamente família e trabalho - não nos cabe encaixar quem se ama para enroscá-lo a ponto de garantir nossa presença nas nossas vidas. Há que se confiar no afeto, naquela sensação de que a pessoa está ao nosso lado. Desde sempre e para sempre.

O resto... é resto.

Ainda te convenço a pensar assim ;)

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Vc-em-mim




E pensar que esperei um ano por este jantar... Nem sabia que seria com vc, muito menos onde se escondia.

Mas te reconheci! Seus olhos na minha via óptica, e relembro do que viu.

Entre uma palavra e outra, sua voz fica longe e sua imagem muda vai tomando conta de mim. Cada olhar, um sorriso cínico, os gestos das mãos repletas de marcas incompatíveis com a doçura...

Como gosto de vc-em-mim =)

Esta delicadeza me acariciava... eriçava cada folículo piloso. Externo e interno, no pavilhão auricular, conduto auditivo, labirinto...

Zonzinha, meu corpo mantinha-se presente, mas vc-em-mim aproveita meus flúidos e escorrega no calor do meu desejo. Interna-se devagarinho, sinto-me plena. Da borda ao ápice.

Toca no meu fundo, do jeito que só vc sabe fazer.
Desfaleço e mal sustento o peso do meu pensamento...

Neste momento, te sinto invadir cada pedacinho do meu interior em alta velocidade, acrescida da minha vontade cada vez maior de vc...

Nossos suspiros, sorrisos, memória, gostos, desgostos... Tudo em mim.

Sim, uma certeza cada vez maior deste nosso mundo que não tem lugar, nem tempo, nem nome, nem referência... E que se faz enorme num nanosegundo,
entre uma palavra,
          um olhar
                  e um gesto




sábado, 14 de julho de 2012

Wally





Será que está me escutando?
Sei que pouco me visita, mas queria lhe falar...

Ando vagando por aí...
Muita coisa boa, às vezes igual e às vezes diferente
Mas vc fica escondidinho em alguma parte de mim
Ainda acho que um dia te encontro, quando menos esperar
em algum bar, ou show, ou numa livraria ou no meio da rua


E será como se nada houvesse ao redor...
o spot de luz nos invadindo sem pedir licença,
desvelando o passado, o futuro, aquela procura que nem sabemos que existe, mas que está em nós

... só em nós.

Sabe que nos espero.

É uma promessa =)


teste para encontrar o olho dominante

Teste:

1. aponte para um ponto distante com os dois olhos abertos. Não precisa ser um alvo. Pode ser a maçaneta da porta.
2. oclua os olhos separadamente sem movimentar o dedo com o qual apontou a maçaneta.
Verá que o seu dedo está em cima da maçaneta com apenas um dos olhos. Com o outro, o dedo está distante da maçaneta.


Para quem é detalhista e preciso, um ser microscópico, com este teste simples já se verifica que o que é visto com o olho direito não coincide com o que é visto com o próprio olho esquerdo. Já se torna um ser dicotômico.

Os detalhistas podem ser microscópicos e dicotômicos qto ao próprio ser.

Imagine só ao envolver o outro!!! Trata-se de uma visão totalmente e insuportavelmente diversa.
Só um ser desmemoriado e macroscópico (que tem uma visão em grande-angular, sem se deter em detalhes) para suportar...

Entretanto... dois seres macroscópicos e desmemoriados correm o risco de não saírem da esfera supra-lunar.

É, nada é perfeito.

terça-feira, 10 de julho de 2012

Sobre o vermelho da melancia

"A poupa da melancia é, na verdade, branca até que sua pele seja rompida, e então se torna instantaneamente vermelha" Quando li, desacreditei no absurdo de quem soltou essa. Li de novo...

1. Existe algum experimento que comprove que a poupa da melancia fechada é vermelha? 
Acredito que não ou, pelo menos, não consigo imaginar nenhum.

2. Bom, partindo então do outro pressuposto, conseguimos explicar uma mudança de cor tão rápida e instantânea ao, simplesmente, romper a pele?
Também não... Ok, então vemos que, ao partir a melancia, algumas áreas não ficam tão vermelhinhas.

Deste modo, ao pensar como 1, a maturação não foi completa e daí a irregularidade da coloração. 

Entretanto, ao pensar como 2, explica-se que, já que o vermelho não é homogêneo, decorre-se que existe uma velocidade na transformação do branco ao vermelho sim e, por isso não é homogêneo! Tvez qto mais distante da pele, maior a velocidade de avermelhamento...

 É incrível como conseguimos TUDO explicar por qualquer pressuposto e qualquer lógica quando não há evidências suficientes. Principalmente se não é possível manipular um dos fatores, no nosso caso, o tempo.

Como identificar TODOS os fatores envolvidos no fenômeno? Não só físicos, como culturais, sociais, econômicos... Como traçar conjecturas pertinentes? Neste caso da melancia pode-se verificar os absurdos que uma conjectura pode defender. Como o "Bom Selvagem" de Rousseau ou a "violência selvagem" de Hobbes podem ser pertinentes se o homem nunca deixou de viver em sociedade?

 ENTRETANTO...

Sou humana, né... E não aguento, como todo ser humano e racional, deixar espaços vazios.
Deste modo, fico com Hobbes.
... e quanto à melancia, eu sempre achei sua pele grossa demais. Algum segredo tem... deve ser para manter a poupa branca ;)

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Descompasso

Na saudade, 
Inspiro seu  contorno
e delineio seu perfume
Fecho meus olhos
e afago seu olhar

Assim lhe preparo:
A dança na relva sobre o tapete de seda
O vôo das libélulas e vagalumes em aquarela,
as mesmas que carregam a verbena,
que embriaga seu olfato

Mas quando o encontro,
veste-me luvas de boxe
A fala ácida
mascara o olhar doce
Fica o amargo que queima as vísceras

Um descompasso...

Retrogosto irriquieto
que precisa nos desculpar



domingo, 1 de julho de 2012

Presente: presente

Hoje estava aproveitando este domingo ensolarado para dar uma corridinha enquanto escutava as músicas aleatórias do shuffle.

Eu não sei se não corria há muito tempo por aquelas bandas, ou se foi a coincidência de horários e aromas, mas esta música caiu de pára-quedas no momento certo

http://www.radio.uol.com.br/letras-e-musicas/arnaldo-antunes/acabou-chorare/92660?cmpid=cfb-rad-ms

O zunido da abelha do sintetizador
a vibração das asas transparentes no dedilhado
e os acordes no teclado.
Aquela mesma sequência dos novos baianos
mas  r e p l e t a  de cores e informações

Mais instrumentos
mais acordes
nuances mais intensas
o mesmo balanço
a mesma letra

É incrível como, por vezes, precisamos estar preparados para apreciar cada detalhe da novidade.
Precisei me desvencilhar do meu personagem da versão original



Praticamente a esqueci. Sim, esta é uma característica por vezes muito benvinda: o esquecimento. Não o esquecimento da beleza da música, ou da história. Mas o esquecimento do afeto a ela amarrado.

Poooxa! Eu estava no finalzinho do treino, cansada pacas, mas a alegria que se instalou em mim deu um gás violento!!!

É bom, muito bom, vivenciar nossas mudanças. E ter a certeza de que, realmente, a melhor versão é a atual.
Um presente!
Uma dádiva =)


Prova

Durante toda a vida, o que mais aprendemos a fazer é estudar para as provas.
Sempre há aquela impressão de que determinado assunto é mais importante, tal passagem do livro é a fundamental, e concentramos nossos esforços em estudar o que achamos com maior probabilidade de cair na prova.

Daí extraímos a primeira lição:
1. O que é mais importante para nós, não necessariamente é mais importante para o professor.

E vêm os corolários:
a. ou temos uma impressão equivocada do que é mais importante, ou o professor é que deixa a desejar
b. há aqueles que se acham errados, há aqueles que acham o professor errado, mas enfim, conclui-se que a impressão não é absoluta.

Mas não nos satisfazemos. Já que o desempenho precisa melhorar, atacamos não na probabilidade, mas na totalidade. Estudamos TODA a matéria. Evidente que, ao abranger um conteúdo maior, a profundidade nos assuntos diminui. Deixamos de saber profundamente o que achamos mais importante e interessante, e passamos a saber um pouco de tudo.

Daí extraímos a segunda lição:
2. Até pode se saber do que se fala, mas por vezes faltou um certo raciocínio sobre aquilo. Ou seja, conhece o tema, mas não o entende.

De novo somos surpreendidos.

Acredito que o caráter surpreendente das provas (mas o que será que vai cair?) traz uma aflição tal que já, desde pequenos, tratamos de estudar. Fomos ensinados e doutrinados a estudar para que nada nos pegue desprevinidos.

ENTRETANTO...

Lembro-me de que as melhores provas que fiz, que nada trouxeram de aflição, foram quando eu adorava a matéria. Parecia que eu já a sabia de outras encarnações. Respirava aquilo, vivenciava os tópicos, entendia a lógica e o conteúdo e, o principal, encantava-me!!!
Ou seja, não havia surpresas. Estava segura. Inclusive para problemas inesperados: acreditava nas ferramentas desenvolvidas.

PORTANTO...

A aflição frente a algo que acontecerá, como coloquei no post anterior
http://autretourdelafolie.blogspot.com.br/2012/06/emboscada.html
ocorre basicamente quando não acreditamos nas ferramentas adquiridas com o que aprendemos, vivenciamos e experimentamos do assunto. Aí, somam-se as suposições em zoom ou em grande angular que trazem uma angústia ainda maior. E, acredite, a vida sempre nos apresentará uma alternativa totalmente diversa de todas as previstas.

Precisamos confiar no vivenciado, experimentado, entendido, sentido. As suposições e previsões, em geral, são vazias.