Ainda me lembro de quando estava para prestar o vestibular para medicina, e de repente veio uma dúvida quanto à escolha da carreira...
Isso costuma acontecer. A estabilidade do "pra sempre" sempre deixou-me estarrecida.
Até hoje guardo com carinho uma conversa que tive com um professor querido nos banquinhos à frente do Anglo. Quando eu dizia tudo que queria fazer e conhecer, sentia-me flutuar nas minhas palavras que se propagavam pelo mundo real e imaginário, até perder-se de vista... Eu me sentia no tapete mágico que meu pai descrevia enquanto tentava nos fazer dormir. Da minha cama quentinha, sobrevoava locais conhecidos e desconhecidos no silêncio da noite: escola, a chácara, a casa dos meus primos... e meu pai era ousado! Montados no tapete tecido por suas palavras, chegávamos à lua, aos planetas do sistema solar, ao universo!!! Acho que daí veio essa minha vontade de percorrer este mundão infinito montada na segurança das minhas palavras...
Aí o meu professor disse: "mas vc quer abraçar o mundo com o dedo mindinho?"
Ele bem estava certo. Em parte. Os pés precisavam de chão. Lembrava-me de que o gostoso não era estar flutuando no tapete mágico. Gostoso era fazer isso no aconchego da cama quentinha e fofa.
Saí da conversa decidida! A primeira das escolhas, por minha conta e risco. Mergulhei naquele mundo biomédico, cada vez mais específico. Nele há sim, um leque de opções ainda. Mas sentia que eram variações sobre o mesmo tema. A cama quentinha já havia sido conquistada. O tapete... passeava nos caminhos previsíveis.
Eu precisava de AAARRrrr. Aquela sensação boa das histórias de dormir pelas palavras do meu pai, oprimia-me cada vez mais...
Uma frestinha da janela se abriu e pulei! Eu me lembrava de outra frase do meu professor querido: "nenhuma escolha é definitiva. Se não der certo, oras, volte atrás!"
O que percebo hoje em dia... Mesmo as escolhas que julgo equivocadas movimentam-me. Ou seja, se aparentemente uma porta se fecha, isso nos permite olhar para os lados (esse passo é fundamental!). Se nos mantivermos atentos a tudo que não é aquela porta que se fechou, descobriremos um mundão enorme (ok.. esse passo também é fundamental!)
É impressionante como percebo que, a cada escolha, o que apreendemos preenche ainda mais aquela caminha confortável. Este sossego e talvez lucidez são combustível para identificar um número cada vez maior de "portas abertas". E voltamos a escolher em qual entrar. Não se trata de uma busca desesperada pelo novo. Trata-se de uma plácida lucidez que nos permite manipular com rapidez e eficácia nosso olhar em grande angular e zoom.
Deliberar...
E escolher.
Sem medo nem preguiça, como sugere Kant.
Atento ao kairós, como sugere Foucault.
"Encarnamos" assim uma dimensão livre e autônoma que nos traz a segurança para abraçar um mundo ilimitado e ousado, como aquele que meu pai nos apresentava.
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