domingo, 11 de dezembro de 2011

Uma questão de gosto

Neste domingo de calmaria, estava folheando uma revista bem cuidada, imagens coloridas e bonitas, gente elegante... anúncios de produtos para poucos. Dentre eles, um relógio de pulso (alguém ainda usa relógio de pulso?) bonitão, cheio de números, lembra daqueles beeeem tradicionais: Patek Philippe "considerada a marca mais artesanal por ter em congruência uma filosofia desafiadora e inovadora. Não é à toa que alguns de seus modelos estão entre os mais cobiçados. O Platinum World Time é um deles. Foi desenvolvido em 1946 e vendido apenas em 2002. Feito de platina, indica diversos fusos horários por um custo de 6 milhões de dólares". Capice?!?!?! 6 milhões de dólares!!! De pronto me lembrei que essa era das cifras mais elevadas do meu imaginário infantil



Ele era mais forte... mais rápido... super-visão!!! Atributos únicos por 6 milhões de dólares.
São únicos "igualmente" aqueles que compram um Platinum World Time "artesanal e de uma filosofia desafiadora e inovadora".

Uma loucura por se diferenciar dos outros. "O melhor dos iguais" - como o título de um dos álbuns do Premê


Relógios Patek Philippe, bolsas XYZ, sapatos ZYX, citações no facebook, vomitadas de conhecimento rápido wikipedia, leitura das resenhas dos livros, filmes por traillers ou críticas de jornal... leitura de jornal novelescas... camisetas com estampas desde "Armani" a "WWF"

Para manifestar um gosto. Uma questão de gosto... Como será que apareceu?

De acordo com Flandrin, na História da Vida Privada, "A distinção pelo gosto", o "Bom gosto" foi inventado no século XVII. Com a queda aristocrática, o berço, a riqueza e o brilho da nobreza poderiam ser comprados pelos burgueses. Consumia-se o luxo. As diferentes classes poderiam se comunicar - e se confundir!

Ah, mas a aristocracia tinha "bom gosto"... Só um paladar aguçado, de berço, permitiria apreciar uma iguaria. Isso estendeu-se às artes. Assim ele aparece como a primeira "virtude" social que relacionava a interioridade (o gosto) com a aparência. E assim, o gosto demonstrava um modo de distinção social.

A parte em que o gosto reflete, na aparência, o que o indivíduo sente e como ele se relaciona com as coisas, é legítima. É bacana.
O problema é quando se deseja ter uma aparência distinta dos outros e, à partir da aparência desejada, moldar o próprio gosto. Aparência de intelectual, ou de alternativo, ou de quem tem berço, ou de burguês (olha só como as coisas mudam!)... Quando se quer ser igual aos melhores. Completamente ilegítimo e indecente. Usar uma bolsa reciclável fashion e fazer questão dos saquinhos de supermercado para colocar na lixeira, pode ser tão indecente quanto usar um relógio Platinum World Time. Assim como casar na igreja com uma puta festa e gostar de se dizer ateu (intelectual tem essa mania).

Comprar uma distinção social e se render à vida besta.

Ai que náusea...

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