"O difícil, o dificílimo, o tremendamente difícil é você, no convívio de sua facilidade (principalmente se for a riqueza), conservar a integridade moral do seu destino de artista. É difícil, porém não é impossível. De uma coisa eu tenho certeza: por mais que seja a facilidade (felicidade) que focê conquistar, seja vc artista, Hitler, Stalin, inventor, Getúlio ou ladrão, vc jamais ficará satisfeito: há de querer mais. Nisto não há mal: é a marca divina do homem. O mal é que, embora buscando sempre aumentar insatisfeitamente a "felicidade" conquistada, o mal é que vc, embora pretenda se aumentar, vc principia agindo sorrateiramente como se estivesse satisfeito: é o conformismo. Esta é a cilada que o homem encontra quotidianamente em seu caminho, o conformismo. Ela principia já por ser fisiológica: é a lei que eu chamo da "preguiça", nós vivemos morrendo. Quando o princípio moral verdadeiro, é justo o contrário: nós devemos viver sempre nascendo: tudo deve ser sempre objeto de aprimoramento pessoal e a busca da perfeição. Não hesito em afirmar: toda facilidade, toda felicidade é desmoralizante. Mas então como conciliar a minha até intimação de vc aceitar a felicidade que a vida está lhe oferecendo e esta convicção de que a felicidade é desmoralizadora?
É simples. É vc não perder jamais de consciência que a sua experiência de felicidade deve ser tbém um objeto de aprimoramento pessoal. A felicidade, o prazer, a facilidade tbém é uma prova por que a gente passa."
Mário de Andrade: "Cartas a um jovem escritor"
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