F. Dostoiévski - Os Irmãos Karamázov
Olho para a ficha, chamo o Sr. João, 70 anos. Levanta do sofá da sala de espera... cabisbaixo... Logo a Sra. Maria, lépida e olhar severo, se adianta e me cumprimenta primeiro. Adentram à minha sala e se sentam à minha frente. Atenta, escuto a Sra. Maria. Pergunto ao Sr. João o porquê da visita. Ele abre a boca, insinua o movimento laríngeo para a emissão da voz... e novamente é a Sra. Maria quem me responde. "Ele não passou no exame médico para renovar a carteira de motorista. Eu disse para ele para passar com a senhora antes, mas... e ele me escuta?"
Diante daquela nuvem inesgotável de palavras, enxergo o album de fotografias e os porta-retratos espalhados pela casa. Maria, distinta, recatada, exemplo de mulher. Trabalhadeira, dedicada aos seus, amorosa, olhar doce e acolhedor. Incapaz de perambular pelas sombras. Ahhh... a mãe ideal para os filhos.
E vem João, cheio de vida, adooora um papo, bebe... socialmente (uma breja sempre vai bem, né?), e o olhar brilhante que caça qualquer movimento, segue cada suspiro inesperado. "Tanta beleza nesse mundo... mas, mais bela é minha formosa Maria, moça de família... moça para família..."
À cada caça, João retorna para Maria - é seu porto seguro!
À cada caça que Maria fareja em João... o olhar abaixa. Mas mantém a altivez! Mantem a "dignidade".
À cada caça, João retorna para Maria - ela o ama de verdade! Nunca o largaria...
À cada caça que Maria fareja em João... o asco. Mas mantém a altivez! Realça sua conduta impecável! Pode ser severa: encontra-se acima de qualquer suspeita! Adquiriu direito de julgar! - Mas nem percebe o preço a se pagar: sua Dignidade
Chega o momento em que João se rende. Qualquer olhar é repreendido. Pela lembrança severa e "digna" de Maria.
Finalmente Maria se encontra acima de qualquer um.
... acima da pisoteada Dignidade.
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