domingo, 22 de agosto de 2010

Evidências

Ainda de madrugada, uma cólica no baixo ventre... Resgatava meu sonho e dormia mais um pouco. Mas a danada insistia em me acordar. Relutava, fingia que não existia, e voltava a dormir. Qdo o sol bateu na janela do meu quarto, já não tinha pq continuar a dormir, resolvi prestar atenção na dor. Aos poucos, localizou-se na fossa ilíaca direita. Liguei para minha amiga: "onde fica o apêndice mesmo? Lado direito ou esquerdo?" Assim que obtive a resposta, decidi: hospital!

Pronto atendimento é briga de foice no escuro. Os médicos atendem pela ordem, mas não têm a menor idéia da gravidade dos pacientes que estão aguardando. E como atender rápido quem não tem nenhuma doença grave, mas é um doente grave? Existe dor maior que a própria?

Enfim, assim que o plantonista me examina, faz o diagnóstico clínico: dor localizada em fossa ilíaca direita, sinal de descompressão brusca positivo, mas... afebril. Pediu exames: hemograma, coagulograma, urina I, USG abdominal. Medicou-me com um sorinho e buscopan composto. Não tinha vaga nos leitos, logo, fiquei na salinha de medicação. Não dei uma de médica pentelha no lugar errado, resolvi ser o que eu era: doente. E obedeci. Foram 4 horas de espera, até que vieram me buscar para fazer o exame de imagem.

O ultrassonografista pesquisou, pesquisou... sabe que eu já estava duvidando do que eu tinha? Parecia que nem mais sentia dor... Estava com vergonha por ter somatizado uma doença. Será que eu estava carente e arrumei todo aquele forrobodó? Como a medicina de hoje é trabalhada por imagens: fotografias macro e microscópicas e suas quantificações. Perguntaram-me "de zero a 10, qual a nota que dá para a sua dor?". Cara, como vou saber? Estão sempre em busca de evidências. Enfim, o ultrassonografista encontrou meu apêndice com sinais discretos de inflamação. Sabe que comemorei? Pode uma coisa dessa? Comemorei por ter feito o diagnóstico - e não seria bem melhor não ter nada? Uma mané mesmo...
"A clínica é soberana" - jargão dito pelo ultrassonografista depois... que encontrou a evidência.

Volto ao P.A. e, na falta de leito, deixam-me ao lado da sala dos médicos quando escuto: "Ah, então é apendicite mesmo?" Aí fui promovida e encontraram rapidinho uma salinha para que eu sofresse minha real dor - antes, a dor era mera representação...

Depois... a equipe certa de cirurgiões, da minha escola - e como é boa esta evidência! Cirurgia lisa, gente boa na sala, opiáceos, estava em outro mundo, totalmente entregue...

Fazer o que frente ao inevitável? O que mais piora o prognóstico é a negação, achar que vai passar sozinho, que vai sumir, que vai desistir de vc... Vamos às evidências! Temos é que agarrar a ruinheira com as unhas e, com um bisturi, fazer a incisão com as mãos firmes, cauterizar o que sangra, e extirpar o que não mais lhe pertence. O que faz mal. Antes que ganhe o corpo todo.




2 comentários:

  1. VC realmente viveu isso?
    já ouvi o tal " a nota que vc dá pra sua dor", acho que as notas entre 8 e 10 são deduzidas após um súbito desmaio do paciente quandoo local dolorido é fustigado.
    e a dúvida. Ah, a dúvida! Parece que tais pessoas imaginam que ir a um hospital/ambulatório se assemelha a um passeio.
    Gostei!

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  2. Desta vez foi real. É sempre interessante vivenciar o outro lado, não?
    Brigadinha.

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