Bom, sei que não era Paula. Nem Akemi.
Nem importa. O que importa é que eu a conheci ao pegar a ficha do PS-gineco, qdo eu estava ainda na faculdade. Eram umas 22hs e despertou-me pelo nome "SUZUKI" - raríssimo uma japonesa naquele PS - e pela profissão - estudante FEA.
O residente, cansado, prosseguiu na anamnese:
- Quantas gestações?
- Esta é a segunda.
- Quantos partos?
- Por enquanto, um aborto
- Quando?
- Há 5 meses.
Nem imaginava o maior dos inusitados do quadro: a frieza: estava no segundo aborto em 6 meses, e com a maior cara de pau! O feto, desta vez, era grande! Como dos livros de anatomia!
Quando ela se colocou na mesa ginecológica daquela sala horrorosa de parede de azulejos verde-escuros, metade daquela coisa vermelha estava para fora. Não havia o que fazer, e vi a cara de tristeza e decepção do residente - "este não tem salvação". Com uma pinça terminou o serviço e jogou aquilo que ainda se mexia no lixo, junto às gazes fedidas dos tumores de colo de útero, as compressas cheias de sangue, secreções de doenças sexualmente transmissiveis...
A Suzuki levantou, nenhuma expressão na face, o namorado gaijin a acompanhava - este sim carregava alguma responsabilidade pelo fato... O residente, palavras curtas e grossas:
- Conhece algum método contraceptivo?
Porra, para uma estudante da FEA?!?! Aquele residente era irônico: acreditava em Deus..
Ela,
- Sim
Quase que eu completo: sim, o aborto - a ironia ainda não fazia parte de mim. Nem acredito em Deus. Mas nunca concordei com burrice.
Ela saiu do PS-Gineco. Nenhuma face de dor. Fui de novo ao lixo: aquilo que se mexia, agora era imóvel e se confundia com a matéria orgânica ali depositada.
Se é que existem anjos, aquele prenuncio de uma vida totalmente utilitária, carreirista, focada, contribuiu mais uma vez para o disparate desta vida pós-moderna. Estamos no ponto em que a reta faz a curva. Onde a defesa dos direitos humanos consegue chegar ao extremo do perdão àquele que tem voz para gritar, e os anjos vão escapando ao longo do caminho...
O que é vida, afinal?
Com que direito julgá-la ou... preservá-la?
Com que direito julgá-la ou... preservá-la?
obrigado. mas, o tempo corre na ampulheta e eu vejo a cada dia que passa que não sei responder à ninguém a pergunta: "aonde ficaram os dias felizes?". O tempo passa, meu refúgio? A clausura do meu quarto para não ver o mundo ou o desfile de atrocidades que ocorrem nos bas-fonds de SP (que não são poucos) pra ver um pouco de vida, ainda que decadente, ainda que marcada pelo abandono. Besos!
ResponderExcluirPode-se ser solidário à humanidade - ela realmente está por um fio. Não se sabe mais o sentido ou, o limite da integridade humana. Entretanto, quando esta constatação te toca a ponto de abalar a sua própria integridade... o escape é legítimo. Está aí autorizado a: ou permanecer na clausura do quarto, ou se abrir para o mundo e perceber que há sim muuuuita coisa boa a se descobrir =) Acredito que a segunda opção é sim, um Bem à humanidade...
ExcluirBjs