quinta-feira, 28 de junho de 2012

Caro Crocodilo


"Já está há muito resolvido pela física que a natureza não tolera o vazio. De acordo com isto, também as entranhas do crocodilo devem ser justamente vazias, para não tolerar o vazio; por conseguinte, devem incessantemente engolir e encher-se de tudo o que esteja à mão. E eis o único motivo plausível por que todos os crocodilos engolem a nossa espécie. Não foi o que sucedeu, porém, na disposição do homem: quanto mais oca, por exemplo, é uma cabeça humana, tanto menos ela sente ânsia de se encher; e esta é a única exceção à regra geral"
O Crocodilo - F. Dostoiévski

Deste modo...

Posso pensar que durante aquelas cirurgias, vc mal sabia qual era o seu corpo, de onde vinham as vozes que conhecia, afinal, mal conhecia este ambiente externo cheio de ar e luzes! Era bem oposta à situação do sr. Ivan Matviéitch que vivia dentro de um crocodilo. Se nesta situação há a voracidade, praticamente um buraco negro; naquela existia uma expulsão. Seu corpo se expeliu do interior materno, e enquanto auxiliava os cirurgiões a expelirem seus tumores, expeliu também sua alma.

Posso imaginar sua alma pairando sobre seus pais, apreensivos...
Os médicos no campo cirúrgico mínimo de um bebê

Aquele bebê não poderia mais ser vc. Se ele parasse, tudo certo - vc já estava livre dele!!!! 

Mas eis que vc sobrevive! Saudável! Mas aquela alma nunca mais foi a mesma...

Uma alma arredia, assim pode-se defini-la. 
1. Quando o corpo bambeia, nas situações difíceis, ela dá uma afastadinha... Pô, e vc funciona! E como! Sangue frio para suportar qualquer adversidade.
2. Quando a tempestade se vai e aquele mar tranquilo a vc se oferece, a danadinha volta.

Pô, este é um bom sinal! Acredito que lhe ofereça um mar tranquilo e estimulante, já que conheço perfeitamente tua alma. E nestes momentos, somos crocodilos mesmo, devoramo-nos.
Engolimos.
Digerimos.
Saciamos. Na fome.

Já te decifrei: quer me devorar.
Não deixe que as condições adversas expulsem tua alma e te torne com a "disposição oca do homem".
Entenda: não me deixo levar pelas condições. Devoro teu olhar-crocodilo, é dele que quero me preencher!

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