"O Mundo da criação e do amor significa: volta ao país natal, entrada no paraíso; e a impossibilidade de criar, ou do amor morto, é, ao contrário, um exílio onde os deuses nos abandonam" Lou Andreas-Salomé
"Assim, para quem ama, o amor, por muito tempo e pela vida afora, é solidão, isolamento, cada vez mais intenso e profundo. O amor, antes de tudo, não é o que se chama entregar-se, confundir-se, unir-se a outra pessoa (...) O amor é uma ocasião sublime para o indivíduo amadurecer, tornar-se algo por si mesmo, tornar-se um mundo para si, por causa de um outro ser: é uma grande e ilimitada exigência que se lhe faz, uma escolha e um chamado para longe" Rilke
A gente se via e nem se notava. Não havia coincidências. Eu te encontrava na fila daquele banco porque ele era próximo do hospital. No elevador porque era hora do almoço e trabalhávamos no mesmo prédio. E o cinema? Os mesmos gostos, como não encontrar?
Aquele dia amanheceu como qualquer outro. O cheiro do café era o mesmo, a hora do relógio do microondas, a mesma. Na sala de reuniões, as pessoas sentadas nos mesmos lugares: o que brincava com a caneta entre os dedos, o que ficava descalço, a que chorava pelo canto dos olhos... A mesma cena de ontem e de amanhã: mais um previsível dia no tempo circular, em carrossel.
Entretanto... Leio "Sr. José" na tela do palestrante. Ao mesmo tempo, meu olhar se atrai para o teu livro de capa cinza com a figura da escadaria do Escher - "Todos os nomes". Aquele livro que bloqueou Saramago do meu repertório - não passei das primeiras páginas! Nunca mais peguei um Saramago nas mãos. Fiquei intrigada... No meu olhar míope, o livro aparecia incrivelmente nítido!
Intervalo e te abordo: o que te encanta nesse livro? Começa a falar... os olhos voam e brilham! Mergulho no som, no tom, ganho uma pontinha do teu universo de vibração tal que escapava pela tangente do carrossel que estávamos ocupando. Éramos muito mais:
....aroma adocicado
..........cores vivas e quentes,
.......um som translúcido que embriaga e nos faz
............................l ................t........rr.
................................e...v...i.......a
Nesta dimensão o calor é insuportável. A taquicardia e a respiração ofegante só potenciam o rubor cutâneo. Instintivamente, procuro a suavidade refrescante dos teus lábios enquanto teus braços me fagocitam. Vamos num crescente... mezzo forte... fortissimo... nos livramos dos tecidos, tamanha a temperatura corpórea. Teu toque me arrepia, sinto um fiozinho gelado descendo pelas costas que irradia para o baixo ventre. Frio e quente se misturam no mel úmido que me encharca. Ávida, te fagocito... Na cadência do desejo, seguimos nosso andamento e dinâmica com perfeição, até sentirmos um apeeerto que expulsa nossos flúidos e sentidos que salpicam na nossa vibração. Deste modo, com os sentidos em espaço extra-corpóreo, presenciamos todas as faces do nosso ser.
Agora rallentando... piano... tentamos manter a penumbra que atiça a curiosidade pelo mundo e nos permite acolher a vida como ela pode ser: repleta de aromas coloridos, sons translúcidos e sabor áspero que desliza sobre a brisa...
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