Desenho meu contorno
Pinto o dia colorido,
florido, o céu azul...
Escrevo em negrito
as certezas do meu caminho
Sublinho as tarefas
modestas, para não
fazer barulho...
Persistem ao calorzinho do inverno
ao sopro de vento dos dias quentes
Fluorescem com a lua límpida...
Canto cada vez mais alto,
acordo os deuses e
escondo-me com a tempestade
Os desenhos, feitos de giz
são lavados com a chuva
As certezas, escritas com giz
são levadas pela água
Desidratada, atenho-me
às tarefas modestas
com cautela, sem
fazer barulho...Dia
Toca o despertador e tento me desligar da noite que passou, combustível para o dia planejado desde o meu nascimento. Acordo as crianças e abro a torneira do chuveiro, aquele que lava o giz. Ainda sinto o cheiro da flor de laranjeira, sua imagem me persegue e procuro o som que carrega as ondas da sua presença. Por uns momentos, esta pequena abertura para o inesperado consegue carregar as cores do giz: a bruma sépia da manhã, a copa magenta da árvore na frente da escola das crianças, o fundo negro do trânsito, e o carro repleto de você. Aquela taquicardia, aquele calor que desce úmido, e uma dor no fundo do meu peito, tamanha a escassez sanguínea. Não sei como encontrá-lo, não posso procurá-lo, não devo sair dos trilhos. O meu futuro é certo e a receita da felicidade já tem todos os ingredientes: casa, carro, família completa, emprego fixo com boa colocação, férias, festas, amigos... É só administrar o tempo... Dia após dia... Fim de semana após fim de semana... Feriado após feriado... Natal e Natal – agora na minha mãe? De novo com minha mãe? Qual a última Barbie? Qual o último filme? Princesa? Plebéia? Rainha das Nuvens? Presentes dos professores... secretárias... primos... tios... avós... Quem é meu amigo secreto? De novo? Ou será que não?
O carrossel gira ininterruptamente, sem falhas. Estou flutuando, seguindo direções e sentidos randômicos, completamente perdidos no tempo, mas certa do previsto. Inspiro fundo e preencho meus pulmões de você. Quero contaminar meu cérebro com sua imagem e sentir seu corpo colado no meu. Quero ao menos acolchoar minha balsa. Chego ao trabalho e rogo pela ausência de pausas: um ato após o outro, sem tempo para deliberações. Tenho medo das escolhas e o resultado obscuro não pode alcançar o fim desejado. Escondida nos meus atos extremamente eficientes, afasto-me cada vez mais do que a vida insiste em me oferecer. O dia prossegue. Segundos... minutos... horas... rumo a um infinito que faz uma curva no limite do perceptível. Afinal, tenho tudo para ser feliz. Mas sinto que o sentido da trajetória aponta, progressivamente e sutilmente, para o retorno. A percepção se evidencia pelas lágrimas que, tontas pela gravidade variável, não conseguem escorrer.
A novidade sempre é a escuridão. Nela encontro a desculpa para deixar meu corpo em repouso, enquanto liberto meu pensamento e meus sentidos, agora sim infinitos. Passeio pelos ambientes, pelo espaço e pelo tempo. E procuro vivenciar cada momento da juventude, época em que o brilho dos meus olhos não era reflexo externo, e sim aquele da ansiedade da dúvida e da incerteza do mundo porvir. Da vontade de agarrar cada momento inesperado que a vida oferecia. Parecia uma propriedade do momento e a angústia ficava INSUPORTÁVEL por saber que estava presa no passado. Área proibida! Proibido se pensar no tempo...
A lua se escondeu e não consigo nos encontrar. Que meu pensamento caminhe até você... Posso até sentir o barulho da sua respiração, a caixa torácica se expandindo num corpo tão gelado. Eu quero que meu sangue o aqueça, quero inundá-lo até quase explodir. Sento no seu volume e sinto-o vibrante. Uma saudade de nós... Abraço com ternura e paixão, aquela tão escondida que nem ao luar aparece. Nossas mãos iniciam aquela coreografia perfeitamente sincronizada: harmonia, ritmo, arrepios, zumbidos no ouvido, sussurros, redistribuição sanguínea... um calor embriagante! Muito calor! Suas mãos percorrem minhas pernas e rapidamente chegam à fonte, ávida por contato. Molho seus dedos e estes avançam, explorando minha caverna úmida. Respiro fundo e me concentro sobre cada mínimo movimento seu. Sua habilidade é louvável e, por mais que me segure, as contrações se iniciam... Livro-o do excesso de tecido e sinto você entrando em mim devagarzinho... Os movimentos instintivos para tentar saciar tamanho prazer prosseguem devagar, captando cada estímulo nas regiões hiperexcitáveis. Vem aquele zumbido no ouvido... Contrações de difícil discernimento (de onde exatamente elas vêm?)... O desejo não cede! A mente pede mais. Pede mais luxúria. Pede o extremo prazer. Você sabe de tudo, e se direciona para aquele que quer mais! A sensação animal, violenta do prazer sem limites. Estoura todas as rédeas, as pilastras morais... É a liberdade no seu sentido mais sublime e etéreo... Quero largar meu corpo pelo dia, meu calor não lhe pertence. Meu sangue já não me aquece. Não me pertence. Agora sim sou sua. Vago em você, com você, pleno, infinito. Pra que se pensar no tempo?
Noite
Abro a porta da sala, tateio o interruptor “de prima”. Vislumbro a mesma fotografia: camisa largada sobre o sofá com os mesmos vincos, os livros abertos nas mesmas páginas, dispostos na mesma seqüência. Meu olhar procura um instante de movimento durante minha ausência. Torço para encontrar um papelzinho no chão, carregado pelo vento. Ligo a TV- meus ouvidos procuram estímulo - minhas cordas vocais vibram junto ao som do violão, meu corpo procura o calor, quero mergulhar no seu cheiro de flor de laranjeira. Preciso ver o reflexo do sol. Mas o que fiz da minha vida? O tempo passou tão rápido e volto ao ponto de partida. Não encontro seus sinais. As mesmas pessoas, as mesmas piadas, a mesma 2ª feira que pula para a 4ª feira e vem o fim de semana interminável. E o que será do próximo ano? O mesmo que o ano passado. Procuro as músicas... O ritual de cada estação... Como pode ter as mesmas cores? Uma eternidade de atos contínuos que prometem mudar na linha do horizonte...
Preciso abrir as janelas e sentir a cor das estrelas. Assim como o brilho caminha aos meus olhos, posso por ele nelas chegar. Escuto o som do vento, frente ao movimento de escape tão desesperado... E se, para lá posso chegar num instante, chego também em qualquer janela que se abra para mim. Sei que me espera. Pequena, frágil, com o olhar na lua. Minhas mãos frias e úmidas se aquecem na sua pele macia. Detenho-me nas nuances das curvas, enquanto escuto sons igualmente macios. Aquece-me enquanto meu sangue é atraído para as regiões em que sinto a umidade e seu calor... Meu pensamento, desprovido de nutrientes, flutua e se descola de mim. Enfim! Posso agora limitar-me às sensações. O que resta nos meus giros cerebrais caminha para os órgãos do sentido e carrego então seu cheiro, a tez aveludada, gemidos, e me movimento afinado ao seu prazer. Seu contorno delimitado pelo luar lembra a sombra de quem suguei em troca de um amor infinito que nunca consegui alcançar. A culpa e a tristeza pelo descompasso se escondem então nas aferências das sensações. Procuro sua nuca e sugo enquanto a inundo com minhas dores passadas. Insaciável, inoculo todas as áreas que se oferecem e sinto suas contrações que me espremem à última gota, fluxo em que se esvaem todos os pensamentos que poluem e mascaram minhas decisões. Leve, bem leve, flutuo na onda das luzes das estrelas e me rendo ao dia que chega.