domingo, 28 de agosto de 2011

Cadê você?



O mundo gira louco
pouco sinto o tempo
O vento me atira para longe
e te esconde de mim


Meu grito mudo te chama
Acha que ouve mas não escuta
Procuro nosso tempo
Não encontro o lugar
Nele me procuro
Eu estava lá, sei que estava


Mas o vento me atira para longe
E a tempestade te esconde
Giro, louca,
pouco resta de mim

domingo, 21 de agosto de 2011

Trap

Já estamos cansados de ouvir que o amor acontece, aparece quando menos se espera, nos pega de surpresa, e tantos outros...

Por que será?

Quem está à procura, inevitavelmente lista uma série de características favoráveis e desfavoráveis. Ah, inteligente, sensível, motorizado, casa própria, emprego estável, sem vícios, que goste de crianças, poeta, que toca algum instrumento, companheiro de supermercado e de compras... Como qualquer coisa que procuramos:
- apartamento de 2 quartos, garagem, rua tranquila
- ou um caderninho de capa resistente, folhas destacáveis, levinho.
- guarda-chuva que só aparece quando chove...

Pode ser João, José, Mário (...?), edifício solar, cancun, riviera, caderninho marrom ou vermelho... 
Tanto faz, contanto que tenha o maior número de características procuradas.
Qualquer desvio torna-se um defeito. Dá até medo de conhecer melhor...

Mas quando não estamos procurando, não há lista pré-formada. Há afinidades, claro. Mas é o encanto que nos abduz.
Cada surpresa aumenta a lista de características que nem sabíamos que estávamos procurando. 
Qualquer desvio torna-se mais uma qualidade. Dá vontade de conhecer cada vez mais.


O olhar intencional, focado, objetivo, mais uma vez é o que nos cega e nos faz perder o que há de melhor. 


Foi assim que fugi! 


E foi na penumbra, terra de ninguém e do avesso que então me encontrou.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Ampulheta

Não há situação mais delicada do que informar ao paciente sobre uma doença grave. Ou, de um jeito genérico, conscientizar-se de que tudo que começa tem um fim.

Fases.

O tempo é implacável e nos lembra de que TUDO passa.

Por vezes, a reação é surpreendente. Meu avô vivia especulando sobre como seria seu fim: "como nunca fiquei doente, acho que sou muito fraquinho para aguentar uma gripe! Acho que qualquer resfriado me leva..." Até que ficou todo amarelinho e foi descoberto um câncer no pâncreas. Todos entraram em desespero, menos ele que me disse ao pé do ouvido: "Diga a eles que está tuuudo bem!" Relaxou. Já sabia, pelo menos, como iria. E ainda tinha uma vaga noção de quando terminaria.

Conheci outra senhora. Um século de vida! Lúcida de dar dó. Estava com um quadro agudo e necessitava de uma cirurgia com urgência. Pedimos uma avaliação clínica para nos certificar de que as condições clínicas permitiriam o procedimento. Os olhos dela brilharam: "Doutor, isso quer dizer que posso morrer durante a cirurgia? WOW!!!!!" Pronto. Tava decidido. Relaxou. Mas por pouco tempo - a cirurgia foi muito bem, ou seja, ela continuou viva e muito bem viva.

Mas na maioria das vezes, é bom demais viver! Quando colocam uma ampulheta ou uma contagem regressiva de soslaio, ou um "agente funerário" como do filminho abaixo, vem aquelas fases famoooosas (de tempo e identificação variável):

Negação
Raiva/ revolta
Negociação
Depressão
Aceitação


The Backwater Gospel from The Animation Workshop on Vimeo.


Acho que a confusão que se instaura no filme acima vem justamente do desespero frente à incerteza à flor da pele. Desespero/medo que permeia as fases supracitadas.

Entretanto...

Lembrar
1. O fim é certo.
2. Quando ou como acaba, é incerto.
3. Assim, a incerteza também é certa ou, inegável
4. Incerteza é incerteza.

Ou seja... pode-se ter uma doença grave e morrer atropelado no dia seguinte. Pode-se lamentar a distância do ente querido e, no dia seguinte, receber uma proposta de trabalho justamente para onde ele partiu.

Essa incerteza é a que nos pega. Mas, se for parar para pensar, é justamente ela que nos salva!

É só não meter os pés pelas mãos e antecipar o fim ou, a certeza.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

White House



Sempre tive tudo.
Uma boa família
Bons colégios
Amigos preciosos

Trabalho com que gosto,
e este nos faz bem.
Tenho até um amor,
outro maior do mundo

Não tenho uma medalha,
uma dor elegante.

Mas carrego uma dor surda
muda e cega
a que não se ousa mencionar
e que por vezes quer me roubar do mundo

Não sei de onde vem
nem para onde quer ir

Não tem para quem gritar
E nem quem a ouça, posto que é muda

Como a da saudade
de alguém que nem vi ou ouvi ou senti

E, por vezes, cutuca
machuca
traiçoeira, arisca,
não a encontro

Procuro...

Capturo, com uma pinça
como a pontada de uma agulha fina
nos pontos com maior terminação dolorosa

fibras finas

dor aguda

de algum modo preciso localizá-la


Acho que é a dor de viver.

sábado, 9 de julho de 2011

A revolução sanguínea - parte 2

"ciúme é um complexo de pensamentos, sentimentos e ações que se seguem às ameaças para a existência ou a qualidade de um relacionamento, enquanto estas ameaças são geradas pela percepção de uma real ou potencial atração entre um parceiro e um (talvez imaginário) rival" 
White, G. L. (1981)

Cabe salientar 3 aspectos:
1. A qualidade do relacionamento
2. A percepção de um real ou potencial rival - uma suspeita
3. O complexo de pensamentos, sentimentos e ações resultantes.

1. Quando o relacionamento está indo muito bem, o ciumento não consegue nele acreditar. Oras, impossível que os dois se gostem tanto... sempre vai sobrar um espacinho em que o amor não esteja presente (o passado e o futuro são ótimos e constantes exemplos, afinal, estão excluídos do presente!). Aí o próprio sujeito se perde do resto, pois, na identificação com o que ele acreditava ser o objeto do desejo do outro, algo vacila dentro do seu próprio ser.

2. Portanto, é neste espacinho imaginário que aparece esta "percepção". Não passa de uma suspeita, e não importa se o fato é real ou não... Assim que aflora, implica na sua automática repressão. O ciumento sofre tanto com a suspeita quanto com a insistência ridícula em se perturbar com algo absurdo. Um amor sem ciúme talvez fosse sinal de um ciúme bem recalcado pelo sujeito (o que se observa na política familiar e social).

3. Posta a incapacidade da desconstrução da suspeita, segue-se o complexo de pensamentos, sentimentos e ações resultantes. Os pensamentos e sentimentos ficam perdidos nos giros cerebrais. Impossível racionalizá-los, já que partem de uma premissa... inexistente!
Talvez só seja possível identificar e isolar as ações - desde a frigidez (Bentinho) à vingança (Othelo).

Ou...

Um silêncio de algumas horas...

O ciúme, ou a revolução sanguínea

Começa com uma aferência que nem sabemos de onde vem, e ninguém imaginaria que arrebataria - se soubesse do estrago que poderia suscitar, com certeza não faria...

É um desconforto retroesternal (no meio do peito, lá no fuuuundo) difuso, mas não uniforme. Como se uma revolução se passasse entre as hemácias, os neutrófilos, linfócitos, plasma. Todos em guerra e correndo em direções variadas. Acho que por isso se passa nesta região - é onde se localizam os grandes vasos.

Segue por uma alteração imediata nos músculos faciais. O que antes era só sorrisos, acaba por paralisar. Não há movimento possível. Até se tenta alguma contração voluntária, mas não se ativa nenhum complexo actina-miosina.

O rebuliço (agora precordial) soma-se às imagens e caraminholas que correm nas curvas do pensamento. O sinergismo é impressionante, eleva-se à enésima potência, e as glândulas lacrimais são ativadas. Parece que a atenção, a percepção dos movimentos e discursos alheios ficam aguçadas e à espreita. Qualquer brecha é estopim para uma saraivada de tiros precisos, ferinos, carregados de veneno. O alvo nem sempre tem a ver com o que desencadeia todo esse tormento. Tem a ver com o que mais afeta o outro. O ponto fraco. Ou, o que achamos ser o ponto fraco...

Trata-se de uma nuvem cinzenta em que a dor é tanta para todos os envolvidos, e que mal se identifica o que se tem de mais importante. O sentimento - nem se ousa falar amor aqui, moralmente não combina com coisa ruim, mas é ele mesmo! - é que faz aflorar essa dor de modo proporcional. A dor [que faz (ativo) ou não (passivo) atirar no outro] é tão grande quanto o sentimento. Talvez não mais ocorra quando o sentimento arrefece.

Quem se sente machucado nem imagina o quanto já machucou o outro... afinal, como já disse, essa revolução sanguínea ocorre com aferências que os próprios envolvidos, inconscientemente, pretendem subestimar.

Ruinheira total. Mas faz parte, infelizmente... Nada mais humano que admiti-lo, e, quem sabe, colocá-lo como objeto de estudo. Afinal, é o que o homem moderno e pós-moderno faz com tudo que o ameaça.

Mas será que este distanciamento tbém não arrefece o amor?

Sejamos humanos! A dor faz parte da cura!

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Um amor assim tão delicado


"Pois a mesma prova também nós utilizaremos a respeito do Amor, de que ele é delicado. Não é com efeito sobre a terra que ele anda, nem sobre cabeças, que não são lá tão moles, mas no que há de mais brando entre os seres é onde ele anda e resite. Nos costumes, nas almas de deuses e de homens ele fez sua morada, e ainda, não indistintamente em todas as almas, mas da que encontre com um costume rude ele se afasta, e na que o tenha delicado ele habita."

Platão, "O Banquete"

... e com delicadeza, aprendo a cuidá-lo