quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Álibi

Neste fds encontrei amigos psiquiatras queridos. Evidente que o papo acaba caindo em questões polêmicas referentes às nossas especialidades. Comigo as coisas são mais brandas, e só falamos do grato efeito colateral dos colírios antiglaucomatosos - crescimento dos cílios, atualmente uma coqueluche entre as orientais...

Entretanto, na psiquiatria os temas são mais periclitantes. Muito preconceito envolvido - inclusive os meus. E os meus recaem sobre duas doenças: depressão e hiperatividade.

Papo vai... papo vem... estabelecemos conceitos para tentar falar a mesma língua... e continuei com aquela sensação esquisita, de que algo não bate, mas não sei bem o que é.

Dado que o trânsito anda bom nestas férias, e descobri o canto na corrida, pouco tive estímulo para pensar sobre o assunto. Mas eis que hoje, as coisas se esclareceram!

É inato? É doença? É cultural? Não é nada disso?
Tá certo que a alcoolemia elevada em alto estilo (às custas da Veuve Clicquot) foi responsável por grande parte do desentendimento rs.., mas como de hábito, muitas palavras eram ditas e interpretadas com diferentes significados. Deste modo, nesta trilha de pensamento, cabe definir alguns pontos:

1. O que é inato?
- Locke, empirista que pego como modelo, não acredita nas idéias ou no conhecimento inato. Ou seja, nascemos como uma tábula rasa - quadro em branco - e, aos poucos, as sensações que derivam da experimentação do meio externo, vão montando nosso conhecimento
- Descartes, racionalista famoooooso, confia no pensamento como alicerce do conhecimento. A razão independe das sensações ou impressões, portanto, não é nada relativa e não depende do ambiente externo. Já vem dentro de nós. É inata. Lembra um pouco Platão que coloca que, na morte, passamos pelo rio do esquecimento e, ao nascer, pouco a pouco relembramos do que nos foi inato.

Recorrendo aos que já pensaram no assunto, em alto estilo, inato corresponde ao que nasce conosco, independente da interferência do meio externo.
Agora, a confusão: sabemos que existe o DNA que basicamente coordena nossa estrutura. Toda? Parte dela? Bom, não sou uma especialista no assunto, mas aprendi um dia que o DNA é responsável pela "arquitetura" das proteínas. O que vai proteína no nosso corpo, é comandado pelo DNA, inato. O que seria inato no nosso corpo?!?!?! Caminhando mais além, nossas ações provém do nosso corpo - até que ponto seriam inatas? Deste modo,

2. O comportamento é inato?
Para tanto, se estamos lidando com a interferência do ambiente externo, cabe ressaltar as aferências e eferências.
Entendo como aferência tudo que captamos do meio ambiente via órgãos do sentido. Estes, modulados pelo SNC, independente da teoria - consciente, inconsciente, id, ego, superego, whatever...
Eferência, entendo como nossas ações. E um conjunto de ações, comportamento. Cabe dizer, recorrendo aos pensadores, neste caso Aristóteles, uma ação voluntária é resultado de um processo de deliberação/escolha. O que não passa por este processo, é uma ação involuntária ou não voluntária - mas isso é tópico para outro post. Enfim, ao se considerar a ação aristotélica, um conjunto de ações denota um comportamento, e Aristóteles vai além: denota o caráter.
Enfim, o comportamento inato, ao meu ver, é aquele que independe basicamente da aferência. Entretanto, como isolar um indivíduo do ambiente externo? Hoje em dia, impossível!!! Tvez impossível desde sempre!
Deste mato não sai coelho!!!!

Deste modo, qualificar ou classificar ou dar importância ou realçar um comportamento como doença, segundo o inatismo, não é o que me incomoda. Uma doença não é ou deixa de ser de acordo com este fator.

Posto isto entre parênteses, de onde vem meu preconceito ao ter a impressão de que se superestima uma tristeza ou agonia - depressão - ou uma falta de educação - hiperatividade?

Acredito que nos dias de hoje, as atividades são pouco conscientizadas. Ou seja, fazemos muito e refletimos bem pouco. Muitas ações aristotélicas deixam de ser voluntárias e passam a ser involuntárias ou não voluntárias. Por esta trilha, a ação voluntária é aquela que implica na responsabilidade. Ou seja, à partir do momento em que refletimos e procedemos uma escolha, sentimo-nos completamente responsáveis pelas consequências.

Estamos em tempos em que decidimos o caminho numa primeira escolha deliberada, mas nele continuamos no piloto automático. Assim, pouco nos responsabilizamos pelas surpresas que vão surgindo - e como surgem! A "doença", ou melhor, o mal estar, sempre pode bater à nossa porta. Um filho insuportável. Uma angústia insuportável. Uma hiperglicemia. Uma pressão arterial elevada. Uma fotofobia. Uma conjuntivite. Uma gravidez!!!!!

Já que estes mal estares são considerados, nesta vida de piloto automático, um desvio da normalidade que nos permite continuar nesta vida perfeita nos trilhos perfeitos, eles não me pertencem!!!!! Como se o diagnóstico estabelecido fosse um álibi: vamos terceirizar!
Cabe então ao profissional adequado, o tratamento!

Como vejo diabéticos e hipertensos que exigem uma medicação perfeita para que se livrem da doença. Os hábitos continuam como os do piloto automático. Trata-se de não se ver como "anormal". Trata-se de encarar a anormalidade como um ente separado do corpo, um parasita!!! Este parasita é responsável por todos os males. O álibi! A orígem e a responsabilidade por todos os males ou surpresas ou desvios dos trilhos, passa a ser a doença.

Talvez...

... seja tempo de encarar que boa parte destas "surpresas" seja consequência dos atos não deliberados. Da vida em piloto automático. Mas nem por isso deixam de fazer parte do nosso corpo e espírito.
Temos que encarar isto como "Eu". Somos sim responsáveis por nossos atos e corpo. Somos inclusive responsáveis por manter o piloto automático. E infelizmente, enquanto não desvendarmos os caminhos de minhoca do S. Hawking, não dá para voltar atrás.



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