"Ao novo medo sucede uma nova felicidade. Sempre foi assim.
Apenas é necessário que vcs aprendam a crer; é preciso que se tornem piedosos em um sentido novo. Os anseios precisam estar acima de vcs, onde quer que se encontrem. Imprescindível é que os agarrem com ambas as mãos e os exponham ao sol, onde é maior a sua bem-aventurança; porque estes anseios precisam recuperar a saúde.
Se ainda existirem temores ou dúvidas em suas almas, rejeitem ambos e não os levem em conta. Mesmo que avultem em seus caminhos: haverá sempre montanhas erguendo-se diante do passado.
Como admirei em ti, minha querida, esta confiança despreocupada em todas as coisas, esta bondade que não conhece o medo. Agora esta confiança também vem se apoderando de mim, por um caminho diferente. Sou como uma criança que estava suspensa à beira de um precipício. Sua aflição e seu sofrimento se aliviam quando a mãe a segura com força amorosa e tranquila, mesmo que o abismo ainda esteja sob os seus pés e os espinhos se interponham entre sua face e o regaço materno. Ela sente-se amparada, erguida - e está confiante.
Como anteriormente falei de Giuliano dei Medici: virá a época em que ninguém será vencido pelo destino, antes de ter produzido frutos. Virão os dias da colheita. E cada um ouvirá as canções com que presenteou a amada despertando nos lábios da mãe que acalentará o seu filho. Virão os dias da colheita.
(...)
Ah, se eu pudesse dizer a todos que época será esta! Magoa-me tanto que muitos vivam sem alegria e sem esperança. Gostaria de ter uma voz como a do mar e ser, ao mesmo tempo, uma montanha que se ergue na claridade quando rompe o sol: para que eu pudesse despertar a todos com a luz, sobrepujá-los e chamá-los.
(...)
Lou, ao ler estas linhas, sinto-as como se fossem um hino. E anseio o momento em que as lerei na tua presença; aí elas receberão a melodia.
Preciso apenas de forças. Todo o resto, eu sei, está em mim, para que eu me torne um pregador. Não tenho a intenção de peregrinar por todos os países, tentando difundir o meu ensinamento. Aliás, não desejo que ele se solidifique e petrifique em uma doutrina. Quero vivê-lo. Desejo apenas, querida, peregrinar por tua alma, percorrê-la até o âmago, até o lugar onde ela se torna um templo. E lá quero erguer a minha nostalgia como uma custódia, que há de se elevar até a tua magnificência. Este é o meu desejo.
Tu me viste sofrer, e tu me consolaste. Sobre o teu consolo construirei a minha igreja, na qual a alegria terá altares luminosos.
Talvez eu ainda não seja predestinado a ver o verão que, como sei, há de vir. Talvez eu próprio possua apenas a força da primavera, apesar de tudo. Mas tenho a coragem de ansiar o verão e a fé na felicidade perfeita."
O Diário de Florença - Rainer Maria Rilke
... para "Rilke para Lou Salomé"
Te cuido
... embora sempre se perturbe com meus olhos de Capitú
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