quinta-feira, 11 de março de 2010

Trem das cores

Marc Chagall - Printemps au pré


"a maioria dos acontecimentos é indizível, realiza-se em um espaço que nunca uma palavra penetrou, e mais indizíveis do que todos os acontecimentos são as obras de arte, existências misteriosas, cuja vida perdura ao lado da nossa, que passa." RM Rilke, Cartas a um Jovem Poeta




D(#5) era assim como se ouvia: leve, lindo, sorridente, enriquecia qualquer melodia e a ela acrescentava a possibilidade de múltiplos caminhos. Pra onde? Nunca seria possível prever! E essa era a graça. O c a m i n h o! Porque a música, com ele, sempre seria bela. Sedutor. Como não seria?

A/C# era radiante! Um som decidido, olhar de menina, fragilidade tonal... Aliás, qual o tom de A/C#? Como saber? Com ela, a harmonia ganhava cores e sabores sutis. Exalava paixão libertária e generosa por onde passava, inspirava a deuses e mortais com seu canto.

E assim, no trem das cores, se esbarraram. O encanto pelo contorno da imagem, o rítmo frenético e a dança esfuziante foi imediato. Sem saber o caminho, suas sombras se encontraram, dançaram entrelaçadas, perpassadas, transpassadas. Neste espaço de penumbra, tudo era possível, não havia avesso nem restrições, o balanço e as posições no rítmo do prazer, ela agia de acordo com o desejo dele e vice-versa. A música, cada vez mais encorpada, por vezes aparentava uma quantidade cada vez mais infinita de notas, mas na essência se sabia que a riqueza se encontrava na plenitude alcançada com simplicidade incrivelmente maior.

Na dança das sombras, pouco e muito se percebe de D(#5) e A/C#. Um dia, do trem das cores escapam. Vão compor outros sons. Sons que rodam mais, menos, circunstanciais, confortáveis, adequados, como lamentos... Poucos como uma obra de arte.

E, ao reconhecer uma obra de arte, nos embriagamos de toda a penumbra dos sons e cores porque nossa melhor música a ela abraça. Assim voltamos a encontrar nossas sombras entrelaçadas naquela dança que trazia inveja aos deuses e ruborizava qualquer mortal.

Com esta sombra de composição mágica e existência misteriosa, a vida passa sim. Mas muuuuuito melhor!

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