domingo, 11 de abril de 2010

Tópica(s)

"Nous sommes à un moment où le monde s'éprouve, je crois, moins comme une grande vie qui se développerait à travers le temps que comme un réseau qui relie des points et qui entrecroise son écheveau." M. Foucault. Des espaces autres, Hétérotopies.


A vernissage estava repleta. Aquela constante sensação de ser transparente, isomorfa à família que tinha brilho próprio. A roupa? Pegou a primeira que encontrou no guarda-roupas-transbordando. Não tinha tempo para perder com roupas ou sapatos ou maquiagem: profissional, mãe, esposa, produto multiuso. Varrendo o ambiente, o olhar se fixa naquela garota: Cabelos lisos e longos, presos displicentemente ao lado, o andar leve e hesitante de quem se amedronta com tanta, tanta gente; de repente torna-se curioso e se apressa para chegar às gravuras. Saião até a canela, sapatilha chinesa, mochila nas costas com lencinho amarrado, miúda, graciosa, a pureza de quem se espanta com as nuances que o mundo oferta, e o medo de nelas se perder... Como se não fosse possível focar mais que uma coisa ao mesmo tempo. Como se o tempo fosse pouco para tanta coisa. Como se o espaço a se escolher habitar fosse único, e o destino seu consequente.

Neste mesmo instante, procura um pedacinho de papel e uma caneta. Escreve com o coração, como num desabafo, para ela mesma quando não estava presa aos deveres, obrigações familiares e restritivas... Como deixara lhe roubarem a vida? Desde Galileu se sabe que o espaço é infinito! As possibilidades NUNCA deixam de aparecer, basta ter atenção e sensibilidade. De que adiantava a pretensão de se fazer algo grandioso, uma bela família com o amor para toda a vida, ou uma grande invenção que acabasse com os problemas da humanidade - aí vinha o medo e a preguiça: por mais que fizesse, nunca seria o bastante! A expectativa... é a grande vilã. Ora, no espaço infinito, não há como estabelecer o fim - invariavelmente outra alternativa aparece. Do mesmo modo, não há como estabelecer o ponto além do próximo - invariavelmente outra alternativa aparece. Do mesmo modo, não há um único próximo ponto: existem inúmeros, em espaços diferentes. É possível experimentá-los. Até o ponto em que, sem perceber, deixamos de senti-lo. E, por mais que lutemos contra, sabemos que aquele espaço se fechou... A q u e l e e s p a ç o s e f e chou.

A garota percebe um papelzinho cheeeeeeio de letras no chão. Sempre atenta a qualquer estímulo visual, não resiste e começa a ler... As letras começam a embaçar... O olhar vago na inspiração profunda, varre o ambiente e se atrai por uma mulher liiinda: Cabelos lisos e longos, presos displicentemente ao alto, roupa cheia de estilo, salto alto, maquiagem discreta, riso solto e discreto. Miuda, graciosa, altiva, olhar forte e cheio de brilho. Brilho de uma certeza que nem é possível saber qual é. E o andar elegante, firme, decidido, com a leveza de quem passeia por tudo sem medos ou restrições.

E a mulher elegante, neste momento, varre o ambiente da vernissage quando seu olhar se fixa naquela garota. E revive aquele momento distante em que, cheia de possibilidades, escolhas, possíveis perdas, encontrou aquele papelzinho amassado com dizeres mágicos que tanto acalmaram seu coração...

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