segunda-feira, 5 de abril de 2010

Cura pelo avesso

Ao fim do dia, lavo meu corpo e me enxergo no espelho. Curvas, marcas do sol, rosto e cabelos. Meu corpo, mais um corpo. E encaro meu olhar. Sem perceber, daqueles virtuais olhos meus, volto a me encarar neste mundo. Parece tão pequeno... Limitado... Por um momento chego a temer pela fragilidade do mundo de casa construída, carro na garagem, trânsito, trabalho, utensílios, utilitários, custo-benefício, vida útil. Casca frágil. Pouco, para o tanto que o tempo roubou da existência. Pouco, restrito ao que é certo, evidente, produzido, raiz.

Naquele momento dou-me o direito de experimentar o que há no espelho. Minha alma pirata não quer dele sair. Enxergo a luz do mundo real cada vez mais distante. O espelho ganha dimensões amplas... demais! Escuto o vento canalizado na minha nuca. Viro-me, assustada: de onde vem? Dou um passo e afundo no abismo vertiginoso...

A sensação da gravidade, súbito, desaparece. Meus cabelos voltam ao lugar. Caminho-flutuo pelas clareiras da floresta sem lama. Serena, são as projeções dos espaços reais que me fazem ferver!

De jaleco branco, furo-lhes os olhos!
Não me perguntem mais o que fazer e como enxergar mais detalhes sob a luz.

Furo-lhes os olhos!
Castigo para os que não enxergam.

Furo-lhes os olhos!
E àqueles que se agarram ao outro para escapar da vertigem do abismo

Furo-lhes os olhos!
Não há perdão para quem se desespera pela luz.

Não me pergunte como se salvar.
Respondo: Furo-lhes os olhos!

Mergulhada em sangue, vítreo, cristalinos, pigmentos retinianos, úvea... Respiro, aliviada, rendida e remida.

Leve, te encontro
Olhos vivos e cristalinos,
Gigante... Estende-me tua mão
Nela me deito e me espreguiço
Incrivelmente me estico, agora gigante.

Naquele espaço ilimitado
Nossos corpos se encaixam
E a alma, também pirata, entrelaça

Sufusão líquido-mucosa
Desliza partes que se encaixam
sob o calor do desejo
O movimento ondulatório dos corpos
prossegue involuntariamente
E se propaga...
Inesperadamente, o espelho atravessa
e ganha meus olhos, agora reais
E nestes, o mundo
Parece tão pequeno... Limitado...
Casca frágil... fácil de quebrar!

Fácil?

Nenhum comentário:

Postar um comentário