quinta-feira, 29 de abril de 2010

Castelo de areia

"Quem és? Perguntei ao desejo.
Respondeu: lava. Depois pó. Depois nada."
Hilda Hilst, Do Desejo.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Toute pensée

"Toute pensée emet un coup de dés"
Mallarmé escreveu
e não sabia
da invenção
do metrô
fulgurando
na estação

domingo, 25 de abril de 2010

Clarabóia

Clarabóia
Filtro luzio da paixão
Escorre laivo de tinhorão

quarta-feira, 21 de abril de 2010

O segredo dos teus olhos



Tem mulheres que sonham
Tem as que procuram
Tem as que procuram desesperadamente
Tem as que não acreditam mais...
... as cínicas

E tem...
... as que se apaixonam

Sem motivo, sem padrão

Sem expectativas por
um bom pai de família
ou um provedor
ou um professor
ou alguém para dividir questões
ou para admirar
ou para dar segurança
ou para construir uma vida...

Para todas as funções acima existem amigos, profissionais ou manuais altamente especializados. Não existe lacuna em função nenhuma. Não é essa a função...

Apaixonamo-nos por quem nos olha com fome
O desejo que personifica o espírito na carne,
e quer nos tocar, desbravar, degustar, penetrar
por todos os poros micro e macroscópicos

E que nos acorda no meio da noite
e faz arder, cometer loucuras que parecem tão naturais
para quem nos vestimos com a nudez mais escrachada
e saímos de casa SÓ com uma capa de chuva e salto alto
para quem colocamos a calcinha molhada no bolso do paletó durante um evento social
que nos arrebata na bancada da pia da cozinha

Que nos olha com um brilho indescritível ao nos encontrar,
recepciona com um abraço forte em que sentimos a redistribuição sanguínea nos locais precisos e a taquicardia que ressoa com a nossa

E, com esse olhar, abre a porta da nossa casa e nos faz sentir ainda mais em casa

Não nos sentimos nem rainha nem princesa...
nos sentimos carne, e esta nunca fora tão divina

...e nada, absolutamente nada mais desejamos

E, para os homens apaixonantes que levam um tapa na cara de uma mulher ao lançarem esse olhar faminto,

Ela ainda não se apaixonou por esse olhar...

Pobre, cega, segue-se pelas expectativas.
pro Marcelo Rubens Paiva

Je suis une jeune fille

Je suis une jeune fille
vieille, qui se mêle
à tes affaires

Qui essaye
de te plaire
qui s'effraie
qui prend du plaisir
à ne rien saisir
à ne pas jouir
à se taire
à sourire
de ta puissance

Chauve-souris, aveugle
vole, seule, elle
attend, chandelle
que la police, que la douane
que les agents, que les curés
que les grandes dames, que les
supporters des OGM
viennent l'arrêter

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Waking life

Coleto informações
Explico o impensável
com tijolos de previsões
do edifício letrado

E assim prossigo
Perco-me nas nuances
precisas das palavras
agrupadas com ou sem nexo

Entendo
Prevejo
Prepotente
impotencia

E, de súbito, bem à minha frente,
nem santo nem demônio, sem tempo para preces
Joga-me frente à parede
e me prensa no teu desejo
Enrubesço... desço das palavras
e derreto... fluida,
enluvo-te e sugo teu prazer
Cada nanômetro
das terminações nervosas
não mais se ocupam de
explicações ou planejamentos
Espraiam e tateiam
a penugem eriçada
a midríase voraz
taquicardia ofegante
sudorese latejante

Desperta enfim,
coloco os pés no chão
Abro meus braços e
reverencio o silêncio

domingo, 11 de abril de 2010

Dos heroes

Ricardo Coração de Leão
Chega a Jerusalém
Meio mouro, meio cristão
Defender a cidadela
Render a donzela
Tanto sonhou
Que se arrependeu

Do frágil naufrágio
Saltou
Spanish conquistador
desembarcou, armou-se, amou-se
mais, revolvendo a areia
revólver, bala engatilhada
cilada
Eu, qual América revirada
Eldorado,
el dia que me queiras
Serei tua, mi amor

Sem ofensa
oferenda
por tempo
limitado

Tópica(s)

"Nous sommes à un moment où le monde s'éprouve, je crois, moins comme une grande vie qui se développerait à travers le temps que comme un réseau qui relie des points et qui entrecroise son écheveau." M. Foucault. Des espaces autres, Hétérotopies.


A vernissage estava repleta. Aquela constante sensação de ser transparente, isomorfa à família que tinha brilho próprio. A roupa? Pegou a primeira que encontrou no guarda-roupas-transbordando. Não tinha tempo para perder com roupas ou sapatos ou maquiagem: profissional, mãe, esposa, produto multiuso. Varrendo o ambiente, o olhar se fixa naquela garota: Cabelos lisos e longos, presos displicentemente ao lado, o andar leve e hesitante de quem se amedronta com tanta, tanta gente; de repente torna-se curioso e se apressa para chegar às gravuras. Saião até a canela, sapatilha chinesa, mochila nas costas com lencinho amarrado, miúda, graciosa, a pureza de quem se espanta com as nuances que o mundo oferta, e o medo de nelas se perder... Como se não fosse possível focar mais que uma coisa ao mesmo tempo. Como se o tempo fosse pouco para tanta coisa. Como se o espaço a se escolher habitar fosse único, e o destino seu consequente.

Neste mesmo instante, procura um pedacinho de papel e uma caneta. Escreve com o coração, como num desabafo, para ela mesma quando não estava presa aos deveres, obrigações familiares e restritivas... Como deixara lhe roubarem a vida? Desde Galileu se sabe que o espaço é infinito! As possibilidades NUNCA deixam de aparecer, basta ter atenção e sensibilidade. De que adiantava a pretensão de se fazer algo grandioso, uma bela família com o amor para toda a vida, ou uma grande invenção que acabasse com os problemas da humanidade - aí vinha o medo e a preguiça: por mais que fizesse, nunca seria o bastante! A expectativa... é a grande vilã. Ora, no espaço infinito, não há como estabelecer o fim - invariavelmente outra alternativa aparece. Do mesmo modo, não há como estabelecer o ponto além do próximo - invariavelmente outra alternativa aparece. Do mesmo modo, não há um único próximo ponto: existem inúmeros, em espaços diferentes. É possível experimentá-los. Até o ponto em que, sem perceber, deixamos de senti-lo. E, por mais que lutemos contra, sabemos que aquele espaço se fechou... A q u e l e e s p a ç o s e f e chou.

A garota percebe um papelzinho cheeeeeeio de letras no chão. Sempre atenta a qualquer estímulo visual, não resiste e começa a ler... As letras começam a embaçar... O olhar vago na inspiração profunda, varre o ambiente e se atrai por uma mulher liiinda: Cabelos lisos e longos, presos displicentemente ao alto, roupa cheia de estilo, salto alto, maquiagem discreta, riso solto e discreto. Miuda, graciosa, altiva, olhar forte e cheio de brilho. Brilho de uma certeza que nem é possível saber qual é. E o andar elegante, firme, decidido, com a leveza de quem passeia por tudo sem medos ou restrições.

E a mulher elegante, neste momento, varre o ambiente da vernissage quando seu olhar se fixa naquela garota. E revive aquele momento distante em que, cheia de possibilidades, escolhas, possíveis perdas, encontrou aquele papelzinho amassado com dizeres mágicos que tanto acalmaram seu coração...

Caindo do salto alto...

"Dois, três dias de semelhança de princípio de amor...

Tudo isto vale para o esteta pelas sensações que lhe causa. Avançar seria entrar no domínio onde começa o ciúme, o sofrimento, a excitação. Nesta antecâmara da emoção há toda a suavidade do amor sem a sua profundeza - um gozo leve, portanto, aroma vago de desejos, e, se com isso se perde a grandeza que há na tragédia do amor, repare-se que, para o esteta, as tragédias são coisas interessantes de observar, mas incômodas de sofrer. O próprio cultivo da imaginação é prejudicado pelo da vida. Reina quem não está entre os vulgares.

Afinal, isto bem me contentaria se eu conseguisse persuadir-me que esta teoria não é o que é, um complexo barulho que faço aos ouvidos da minha inteligência, quase para ela não perceber que, no fundo, não há senão a minha timidez, a minha incompetência para a vida".


Fernando Pessoa, Aforismo 113, Livro do Desassossego

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Epifania

Achado no link da "Piauí"


Nature by Numbers from Jeff DeMeglio on Vimeo.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

O que é? O que é?

Meu querido W,

Tem coisas que só te digo enquanto sinto tua respiração, toco teu peito, beijo suave teu pescoço e com minha coxa roço o dragão tatuado na tua...
Ou então... quando estamos tão distantes que só posso te imaginar, mas fecho os olhos, ouço Chopin e você está comigo. Segura minha mão, já roubou minha boca, ajeita meu pescoço, de leve que sou me levanta, me gira e me toma pra si. Teu corpo é quente e meu sangue gostou.
Desculpa se adoro te escrever quando estou assim... Bem advertiu o Rilke: "não escrevam quando estiverem com tesão" e "poesia não é bater punheta". Foi mais ou menos isso... Ah, não? O que é poesia, então?
Pra mim é brincadeira, é choque, é ritmo, é ruído, é cachoeira, é jorro, é gozo e é lama...
É porre, é dança, é 3 da madruga, é brother, é falo, é beijo na boca, é encaixar gostoso...
Desculpa, Pessoa, não sei ser melancólica, não pra sempre... Quando estou na roça, parto pra cima, escrevo da dor de quem me doeu pra fora, acerto as contas no fio da palavra escrita, minha única guia.
Querido, meu caminho vai juntar com o teu? Vai me olhar por baixo da epiderme? Vai deixar eu olhar por baixo da sua capa de superherói? O que é? E o que será?

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Cura pelo avesso

Ao fim do dia, lavo meu corpo e me enxergo no espelho. Curvas, marcas do sol, rosto e cabelos. Meu corpo, mais um corpo. E encaro meu olhar. Sem perceber, daqueles virtuais olhos meus, volto a me encarar neste mundo. Parece tão pequeno... Limitado... Por um momento chego a temer pela fragilidade do mundo de casa construída, carro na garagem, trânsito, trabalho, utensílios, utilitários, custo-benefício, vida útil. Casca frágil. Pouco, para o tanto que o tempo roubou da existência. Pouco, restrito ao que é certo, evidente, produzido, raiz.

Naquele momento dou-me o direito de experimentar o que há no espelho. Minha alma pirata não quer dele sair. Enxergo a luz do mundo real cada vez mais distante. O espelho ganha dimensões amplas... demais! Escuto o vento canalizado na minha nuca. Viro-me, assustada: de onde vem? Dou um passo e afundo no abismo vertiginoso...

A sensação da gravidade, súbito, desaparece. Meus cabelos voltam ao lugar. Caminho-flutuo pelas clareiras da floresta sem lama. Serena, são as projeções dos espaços reais que me fazem ferver!

De jaleco branco, furo-lhes os olhos!
Não me perguntem mais o que fazer e como enxergar mais detalhes sob a luz.

Furo-lhes os olhos!
Castigo para os que não enxergam.

Furo-lhes os olhos!
E àqueles que se agarram ao outro para escapar da vertigem do abismo

Furo-lhes os olhos!
Não há perdão para quem se desespera pela luz.

Não me pergunte como se salvar.
Respondo: Furo-lhes os olhos!

Mergulhada em sangue, vítreo, cristalinos, pigmentos retinianos, úvea... Respiro, aliviada, rendida e remida.

Leve, te encontro
Olhos vivos e cristalinos,
Gigante... Estende-me tua mão
Nela me deito e me espreguiço
Incrivelmente me estico, agora gigante.

Naquele espaço ilimitado
Nossos corpos se encaixam
E a alma, também pirata, entrelaça

Sufusão líquido-mucosa
Desliza partes que se encaixam
sob o calor do desejo
O movimento ondulatório dos corpos
prossegue involuntariamente
E se propaga...
Inesperadamente, o espelho atravessa
e ganha meus olhos, agora reais
E nestes, o mundo
Parece tão pequeno... Limitado...
Casca frágil... fácil de quebrar!

Fácil?

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Eu te disse

Eu te disse
Sou tua Clarice
de post-it
de costas
leve, de bolso
gostas?
De acordes, de acordo
deal?
Misturas, doçura
escorro na tua boca
Semente, sêmen
tua língua, literatura
me percorre, tépida
lembrança que deixastes
em meus sentidos