segunda-feira, 23 de abril de 2012

Estilhaços

"Elizabeth Costello, todos sabem – principalmente quem sabe –, é uma famosa romancista australiana, já com seus setenta e sete anos, cujo principal feito (além de ter se perdido na vida) foi o de ter publicado uma única, apenas uma grande obra: A casa da rua Eccles. Romance que lhe deu fama internacional e que tem como personagem principal Marion Bloon, mulher de Leopoldo Bloom, personagem principal do Ulysses de James Joice.

Tirante tudo isto – e no que toca pessoalmente a mim –, Elizabeth Costello tem sido uma mulher que cruzou a rua e deixou-se atropelar por um único, apenas um grande carro: um Corcel ano 1986. Atropelo que lhe deu uma ferida transatlântica, atravessando-lhe de ponta a ponta o corpo extenuado, corpo com o qual – dizem! – ela não coincide mais. Ou talvez nunca tenha coincidido.

Para os que sabem e os que não sabem, os que viram e não viram, os que leram ou eram cegos, Elizabeth Costello é o corpo dividido que cruzou os céus de duas avenidas importantes, com seu livro único ainda debaixo das axilas, o brasão de um Corcel marcado à testa, e que quando lhe perguntaram o que queria em seu funeral, apenas virou-se para o lado e disse: “Hein?”.

Entre eu, ela e ele – o corpo de Elizabeth –, e também os outros dela mesma no livro e no Corcel, no concreto e no bonito funeral, entre nós todos – ela, eu, ele, livro, Corcel e concreto –, entre esta espécie de confraria do absurdo, esta multidão silenciosa ao redor de seu corpo partido, enfim, entre ela, eu e os outros, Elizabeth é memória e quase dor, uma batida seca no meio fio, e dois goles de cachaça de amigos distantes que não viram seu corpo, mas beberam sua morte.

Elizabeth era um problema de nos levar de onde estamos – lugar nenhum – para a margem de lá do território de sua grande ferida: daí o livro, o atropelo, o brasão, o concreto e o corpo dividido, tudo encadeado de maneira à (rigorosamente) desafiar a lógica de sua vida, e zombar de sua aventura moral."

De um amigo querido. 
No status de uma rede social.
E comento.



Diante das palavras de imagem estilhaçada, com a força dos respingos de Jackson Pollock, esta fragmentação seca, silenciosa e furiosa, suga-nos do "lugar nenhum". Fica algo na memória, quase uma dor.

Faz-me lembrar de Antônio, ainda com seus 20 e poucos anos, no Pronto Socorro com ambos os olhos perfurados com o vidro dianteiro estilhaçado do... seria um Corcel?

Um trauma violento em que foi feita a sutura córneo-escleral, praticamente sem distinção das devidas partes oculares...
Em 3 a 6 meses, já não havia mais pontos na incisão.
(Não há dor)
Ferida cicatrizada.

Sua visão? 
A imagem do mundo, diz, é coincidente - lugar nenhum.
A imagem de si mesmo... não há. 
(Nem memória)
Enfim, cicatrizada.

sábado, 21 de abril de 2012

Fait attention!


abstração
hetero-lógica
imaginação
heterotopia
total...
...mente
ENVAIDECIDA!

"Como você sabe, eu não quero que os outros sofram por minha causa. Por isso, eu escrevi uma carta para mim mesma:
         'Luísa, sou eu, a Luísa do passado. Ao ler essa carta, pense bem no que você foi por todos esses anos, e imagine como é que você trata os outros. Que, você sabe como é que é ser tratada por uma adolescente. Sabe como é ser uma irmã mais nova. Não maltrate os outros. Que como você, não querem ser maltratados por adolescentes (entre outros). O MUNDO NÃO GIRA AO SEU REDOR! Não adianta discutir, que sempre vai ser você que está sendo prejudicada. Os amigos são bons, mas NÃO TROQUE NADA PELOS ESTUDOS! Lembre-se de como você era: doce, disciplinada... Sei que nos estudos, ou melhor, em sua série, é difícil, mas nunca deixe de ser aquela garotinha meiga e esforçada que já foi, e que eu sei que ainda está aí. Eu, estou sofrendo, porque somos irmãs mais novas. [...] Você, se prepara com sua visão, pois eu deixei muitas escritas a você. Para se lembrar de como você pensava no passado. E refletir, o que mudou. Estou vendo o comportamento de nossa irmã, e vejo o que podemos mudar. Espero que... Tenha uma vida ótima! Eu, tenho 10 anos, e em sua idade, tudo pode mudar, não?
Beijos
      Lulu (do passado)
20/04/2012
Sex'”

E aí? O que escreveria para vc daqui a 3 anos? 5? 10...

sábado, 14 de abril de 2012

Escaninhos



Acho que temos uma mania de otimizar tempo e espaço. Já Kant começa - para conhecer um fenômeno, precisamos situá-lo no tempo e no espaço.
Deste modo, organizamos nosso pensamento para conhecer alguma coisa.
Com o tempo, o conhecimento vai ficando cada vez mais complicado. É um hábito - e talvez o único jeito que sabemos - encaixar a novidade no que já está dentro de nós. Como num quebra-cabeças, as coisas vão se familiarizando, vão se encaixando e tudo retoma a harmonia... Como no canto direito do desenho, em que o espaço até já se encontra preparado para receber o "novo" conhecimento.

Entretanto, por vezes, aquilo que é realmente novo tem tamanha força que destoa do restante do conteúdo já organizado em escaninhos no nosso pensamento e modo de vida. O espaço destinado a esta sementinha, daria direito a uma florzinha naquele jardim, já ocupado por diversas outras flores mais ou menos belas, mas com o mesmo formato (como no canto inferior esquerdo do desenho exposto). A força e a personalidade desta "coisa" atinge proporções tais que ameaçam tuuuuudo que foi milimetricamente encaixado para manter a harmonia. A beleza, tanta, que hipnotiza e parece que quer te expulsar do teu mundo.

O que fazer com esse "monstro"? Se o mantém, periga ocupar um espaço com o qual vc não estava preparado. E, se não está preparado, se esse monstro esvanecer, o que será do pouco que restar?
Se o expulsa, como não se arrepender por ter deixado escapar algo que fascina justamente por sua força e imposição de não se render à estrutura já formada?

Dilema... Parece se estar num beco sem saída.

O que venho aprendendo... aos poucos...
A harmonia dos encaixes, não passa de ilusão. A novidade, assim que se amolda às outras estruturas, deixa de ser novidade. E deixa de ser novidade por nossa culpa. Pelo medo de nos render à sua força e ineditismo.

O que fazer?

Não há encaixes. Não há escaninhos. Os espaços não são delimitados, e não precisamos deles para conhecermos. Há que se respeitar o que quer se impor. O que tem força para crescer. E se ganhar proporções enormes e estourar, como uma bolha de sabão?

Lembra que os espaços não são delimitados? Que não há encaixes nem escaninhos? Portanto, não haverá o vazio, a memória dolorosa daquele espaço. Sim, a lembrança existe e é boa. Aquela que nos relembra do que vivenciamos e do quanto aquilo nos transformou para sermos capazes de acolher outra novidade de peito aberto. Seja qual for, seja o tamanho que for ocupar, ou o tempo que durar.




terça-feira, 10 de abril de 2012

Do pó ao pó



"a mais estranha história que alguém já escreveu"

talvez a maior das lembranças,
a história mais incrível que surgiu do nada, sem corpo, sem registro,
e que se dissipou no ar...

domingo, 8 de abril de 2012

Extensão da verdade...

De Péricles: "no que concerne aos diferendos particulares, a igualdade a todos é garantida pelas leis. Mas, no que concerne à participação na vida pública, cada um obtém a consideração em função de seu mérito, e a classe a que pertence importa menos que seu valor pessoal".

Prossegue Foucault: "a isegoria assegura que não vai ser simplesmente em função do nascimento, da fortuna, do dinheiro que se vai ter o direito de falar. TODOS vão poder falar, mas apesar disso, para o jogo da participação nos negócios públicos, o mérito pessoal é que vai garantir a alguns uma ascendência (...) Ascendência legítima, exercida por um discurso verdadeiro, exercida tbém por alguém que tem a coragem de fazer valer esse discurso verdadeiro; que garante efetivamente que a cidade tomará as melhores decisões para todos."

CADÊ?!?!?!?!

Sobre a verdade

"Será que você sabe que a verdade está por baixo de tudo, e um dia, ela pode ficar por cima?!"
Lulu, 10 anos

Nunca imaginei que fosse tão difícil dizer a verdade.
E como qualquer discurso que não seja verdadeiro, flutua num oceano obscuro de covardia e culpa. O medo de ferir, de delatar, enfim, das consequências das informações. E a culpa por omitir a verdade.

De novo, os valores morais que nos são imprintados no DNA - por vezes apelam para o "determinismo biológico"
http://autretourdelafolie.blogspot.com.br/2012/01/dizer-adeus-ao-determinismo-biologico.html

Quando nos deixamos levar por este emaranhado obscuro, distanciamo-nos cada vez mais da verdade. Já nem sabemos mais onde está a ponta do fio do novelo.
Como um sonho que tive, em que havia uma aranha enorme enroscada nos meus cabelos. Ameaçava, cutucava, a cada instante eu temia que ela injetasse aquele veneno infecto. E se escondia cada vez mais... Pedia aos meus queridos que me ajudassem a tirá-la, mas eu sabia que só eu seria capaz de fazê-lo.

É impressionante como, numa epifania trágica, algo surpreendente adentra pela porta do nosso quarto!!!!!

Paralisa!!

Como um grito no ápice da humilhação e cólera, o grito de Creusa (mortal e mãe do filho bastardo de Apolo, Íon) aos deuses. Quando a verdade grita e ganha corpo à revelia de qualquer consequência - inclusive, para os gregos, a morte.

E, num passe de mágica, ao invés da cascata de tragédias que paralisavam a sua palavra verdadeira, a sensação é de flutuar na tranquilidade das águas cristalinas...

De navegar enfim nesta verdade que emergiu...

A coragem da verdade, pura, sem enfeites e nem luxo, que não pede para agradar; e oferecida a quem percebemos que pede por ela, com as palavras certas, atentas ao momento certo (kairós).

Muitas vezes parece que não encontramos o momento certo de jeito nenhum. Mas isso ainda é desculpa. É o medo que novamente nos paralisa. O kairós chega no momento em que a verdade grita. Ou, quando enfim "ela fica por cima".

Há que se ter coragem. Muuuuuita coragem!

Simples assim ;)

sábado, 7 de abril de 2012

Saudade.

Saudade é mato
Se mata?
- Mato.