"Medicina, porque liga o estudo científico do homem a valores humanos profundamente enraizados, oferece um campo para a resolução entre abstrato e concreto, ciência e humanidades, a procura do conhecimento e a procura do bem-estar."
Edmund Pellegrino
Creio que, neste momento, cada um que passar por aqui pode se identificar um pouquinho com o que passei. Afinal, contam 15% da população adulta, e isso não é pouco!
Esfera Privada
Uma amiga querida, muito querida, digo que foi um encontro marcado na maternidade até. Sempre foi corretíssima, justa, ética, nada conservadora: muito pelo contrário, ensinou-me a ser progressista e vencer as barreiras impostas às mulheres. Na verdade, odiava a hipocrisia da sociedade em que crescemos, nascidas na ditadura.
Aliás, abafadas e alienadas: uma raiva tremenda da hipocrisia dos personagens do legislativo de abraçar políticas públicas pela igualdade social, e a corrupção entre eles rolando solta na vida privada. Uma hipocrisia de não coerência entre o público e o privado.
Esfera Pública
Juntas vibramos com as manifestações de junho de 2013, com o surgimento de um Batman em Gotham City... Todos pasmos com aquele vislumbre da quebra da hipocrisia: o Boechat (saudades) todas as manhãs falando que nosso maior patrimônio era a Lava Jato (mais saudades...)
Incoerência Publico x Privada
E aí...aí uma leva de gente se levantando contra a hipocrisia mundial: o mundo pedindo por justiça pública, mas com a propina e o "levar vantagem" em todos os níveis da esfera privada. Eu me perguntava: como pode essa "pulsão", este "grito mudo", nos cegar em outras esferas (a "caixinha" para qualquer serviço fora do contratado, comprar por x e repassar x + 1, um "isso não vai fazer diferença..."). Mas não importava: era o Batman!!!
E chegaram outros Batmans. No campo teórico, um "filósofo" que dizia tudo o que muitos queriam mas não podiam dizer: a "hipocrisia" do politicamente correto, a chatice do mimimi.. não vou nomear "esquerda e direita" ou "conservadorismo e progressismo" pq tá tudojuntomisturado. Uma "liberdade" de se dizer que está contra o que se impõe como correto.
De novo: eu me perguntava como pode essa "pulsão", este "grito mudo", nos cegar em outras esferas (principalmente o preconceito ao vulnerável).
De repente, eu não reconhecia mais minha amiga! O medo do outro, o iceberg escondido sob o grito de "liberdade"... O período pós eleições foi ainda mais distante: ela está sempre exausta por passar todo o tempo nas manifestações. Um respeito mútuo enorme nos faz tentar nos entender, e não nos largar!
Eis que, num momento de extremo cansaço (e isso desarma, né?), re-encontro um brilho em seus olhos! Um que não havia há muito tempo (e que talvez não exista mais em mim tbém). Um brilho tal que permitiu que ela se impusesse em outras esferas de quase abuso nas relações de trabalho e afetiva. Uma "espiritualidade":
"Esta prática pela qual o homem é deslocado, transformado, transtornado, até a renúncia da sua própria individualidade, da sua própria posição de sujeito"
Michel Foucault em "O Enigma da Revolta"
Ou seja: a espiritualidade permite transformar quem se sentia contrário e amarrado pelos rumos que a sociedade lhe impunha. Seja no campo político, religioso, econômico, social... ou inclusive no plano privado, em casa e no trabalho.
Da revolta à crítica:
Penso que quando encontramos pares com o mesmo "grito mudo", transcendemos: nosso espírito escapa do nosso corpo e vive um todo com os semelhantes. E se faz GIGANTE!! E é bom demais esta sensação de pertencimento, de grupo, de público!
Esse combustível não precisa estar conectado ao esquecimento dos nossos outros valores. Muito pelo contrário: podemos usá-lo para nos dar forças para ajeitar o que não concordamos na nossa esfera privada. Acredito que este seja realmente o verdadeiro passo para uma vida melhor, tanto na esfera privada quanto na pública.
E.. por essa experiência que passei (e com certeza, você também que está comigo agora), acredito na força de uma pequena-grande ferramenta para entender esta passagem do público para o privado que ocorre o tempo todo: o amor pelo outro, a abertura para o entendimento.
...aprendizado maior, por incrível que pareça, da prática médica.
Para ler mais
Foucault, M: O enigma da revolta: entrevistas inéditas sobre a Revolução Iraniana. n-1 edições. Junho - 2018.
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