segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

Vida

Parece que as noites têm seu encanto.
É um momento de sonho, em que relaxamos toda a positividade que a razão nos impõe. 

Lugar de encontro de almas, principalmente um reencontro com nossa alma.

Um esbarro no olhar,
porta de entrada para nossa essência que, no fundo, é a mesma desde sempre.
De alguma forma, um anzol nos laça:

a sinceridade aflora
                o medo do que o outro vai pensar se esconde
                                e, neste instante, somos essência, forma, atitude, afeto
                                em uníssono.


E, nestes momentos, fofinha, experimentamos a Vida!

E que venham outros!

sábado, 3 de dezembro de 2022

ESPIRITUALIDADE POLÍTICA 2

 "Quando falo de espiritualidade, não falo de religião, ou seja, é necessário distinguir muito bem espiritualidade de religião. É surpreendente constatar que a espiritualidade, o espiritualismo e a religião se misturam no espírito das pessoas em uma salada notável, uma 'marmelada', uma confusão impossível."

Michel Foucault em "O Enigma da Revolta"

 

Quando Michel Foucault deu esta entrevista sobre a Revolução Iraniana de 1979, o caos se instaurou na sociedade francesa, e principalmente o pensamento de esquerda. A mania de abrir um arsenal de guerra sempre que se escuta palavras-chave que, no fundo são sempre as mesmas, parece ser próprio do ser humano. Nunca acabará, e é melhor nos conformarmos com isso.

Posso dizer que o que gosto em M Foucault é que ele não se liga muito nos objetos, nos assuntos, nos temas... ele procura entender o processo de COMO o pensamento se organiza. E, se tivermos a frieza de segurar a raiva que se arma com tais palavras-chave, este processo é basicamente único para TODOS: só muda o tema (ou o político rsrs). Aqui eu peço novamente para meu querido leitor - Panacea.

Mantra:

1.Desarme-se!
2.Segure sua vontade de xingar ou já de me chamar de esquerdista ou direitista. Fique tranquilo, eu vou te escutar! Principalmente pq estamos todos em posição, agora, de construir uma vigilância racional e organizada para quaisquer governantes.
3.Tente se desvincular dos afetos grudados às palavras-chave. Acho que um dos maiores motivos de desentendimento é justo esse: os afetos são completamente diferentes, embora tenham o mesmo significado no dicionário.

ESPIRITUALIDADE

De acordo com Foucault, a espiritualidade é aquela que nos desloca, nos transforma, nos transtorna a ponto de renunciarmos à nossa própria individualidade. Ou seja, entre os ...istas do mesmo lado, eu tenho CERTEZA de que existem diferenças de opinião e posições aos diversos ítens da pauta. Quantos amigos queridos temos.. e quão diferentes de nós! Mas sempre há algo em comum. Pois bem, quando esse "algo em comum" é capaz de nos fazer relevar as diferenças, estamos no terreno da espiritualidade! Ou: "tornar-se outro do que se é, outro do que si mesmo".

ESPIRITUALIDADE POLÍTICA

Um santo.. uma causa.. um "medo".. a política.. uma "paixão": suscitam pulsões para sentir-se capaz de transformar o mundo, uma luz no fim do túnel pela qual topamos renunciar a nossa própria individualidade.

Talvez esta espiritualidade que nos dforça para acreditar em mudança, esteja no cerne de qualquer manifestação de revolta: a primavera árabe, nossa primavera de 2013, os movimentos de "occupy", entre outros tantos que surgiram nas redes sociais.

Se é para acreditar que podemos mudar, tá valendo!!!
Se é para experimentar e arriscar a transformar o que não concordamos em nossa vida, tá valendo!!! Talvez este seja o propósito, combustível para uma boa vida.

... o que não vale é, como trator, tentar arrastar inclusive quem não compartilha do mesmo ideal. Ou ainda ignorar a existência de metade do mundo. Tentemos desvincular os afetos das palavras-chave, e enxergar nossas diferenças para vigiar e participar na construção de uma boa vida.

se você chegou até aqui, já conseguiu seguir o primeiro mantra: "Desarmou-se!!"

Valeu!

 

ESPIRITUALIDADE POLÍTICA

 "Medicina, porque liga o estudo científico do homem a valores humanos profundamente enraizados, oferece um campo para a resolução entre abstrato e concreto, ciência e humanidades, a procura do conhecimento e a procura do bem-estar."

Edmund Pellegrino

Creio que, neste momento, cada um que passar por aqui pode se identificar um pouquinho com o que passei. Afinal, contam 15% da população adulta, e isso não é pouco!

Esfera Privada

Uma amiga querida, muito querida, digo que foi um encontro marcado na maternidade até. Sempre foi corretíssima, justa, ética, nada conservadora: muito pelo contrário, ensinou-me a ser progressista e vencer as barreiras impostas às mulheres. Na verdade, odiava a hipocrisia da sociedade em que crescemos, nascidas na ditadura.

Aliás, abafadas e alienadas: uma raiva tremenda da hipocrisia dos personagens do legislativo de abraçar políticas públicas pela igualdade social, e a corrupção entre eles rolando solta na vida privada. Uma hipocrisia de não coerência entre o público e o privado.

Esfera Pública

Juntas vibramos com as manifestações de junho de 2013, com o surgimento de um Batman em Gotham City... Todos pasmos com aquele vislumbre da quebra da hipocrisia: o Boechat (saudades) todas as manhãs falando que nosso maior patrimônio era a Lava Jato (mais saudades...)

Incoerência Publico x Privada

E aí...aí uma leva de gente se levantando contra a hipocrisia mundial: o mundo pedindo por justiça pública, mas com a propina e o "levar vantagem" em todos os níveis da esfera privada. Eu me perguntava: como pode essa "pulsão", este "grito mudo", nos cegar em outras esferas (a "caixinha" para qualquer serviço fora do contratado, comprar por x e repassar x + 1, um "isso não vai fazer diferença..."). Mas não importava: era o Batman!!!

E chegaram outros Batmans. No campo teórico, um "filósofo" que dizia tudo o que muitos queriam mas não podiam dizer: a "hipocrisia" do politicamente correto, a chatice do mimimi.. não vou nomear "esquerda e direita" ou "conservadorismo e progressismo" pq tá tudojuntomisturado. Uma "liberdade" de se dizer que está contra o que se impõe como correto.
De novo: eu me perguntava como pode essa "pulsão", este "grito mudo", nos cegar em outras esferas (principalmente o preconceito ao vulnerável).

De repente, eu não reconhecia mais minha amiga! O medo do outro, o iceberg escondido sob o grito de "liberdade"... O período pós eleições foi ainda mais distante: ela está sempre exausta por passar todo o tempo nas manifestações. Um respeito mútuo enorme nos faz tentar nos entender, e não nos largar!

Eis que, num momento de extremo cansaço (e isso desarma, né?), re-encontro um brilho em seus olhos! Um que não havia há muito tempo (e que talvez não exista mais em mim tbém). Um brilho tal que permitiu que ela se impusesse em outras esferas de quase abuso nas relações de trabalho e afetiva. Uma "espiritualidade":

"Esta prática pela qual o homem é deslocado, transformado, transtornado, até a renúncia da sua própria individualidade, da sua própria posição de sujeito"
Michel Foucault em "O Enigma da Revolta"

Ou seja: a espiritualidade permite transformar quem se sentia contrário e amarrado pelos rumos que a sociedade lhe impunha. Seja no campo político, religioso, econômico, social... ou inclusive no plano privado, em casa e no trabalho.

Da revolta à crítica:

Penso que quando encontramos pares com o mesmo "grito mudo", transcendemos: nosso espírito escapa do nosso corpo e vive um todo com os semelhantes. E se faz GIGANTE!! E é bom demais esta sensação de pertencimento, de grupo, de público!

Esse combustível não precisa estar conectado ao esquecimento dos nossos outros valores. Muito pelo contrário: podemos usá-lo para nos dar forças para ajeitar o que não concordamos na nossa esfera privada. Acredito que este seja realmente o verdadeiro passo para uma vida melhor, tanto na esfera privada quanto na pública.

E.. por essa experiência que passei (e com certeza, você também que está comigo agora), acredito na força de uma pequena-grande ferramenta para entender esta passagem do público para o privado que ocorre o tempo todo: o amor pelo outro, a abertura para o entendimento.

...aprendizado maior, por incrível que pareça, da prática médica.

 

Para ler mais

Foucault, M: O enigma da revolta: entrevistas inéditas sobre a Revolução Iraniana. n-1 edições. Junho - 2018.